sábado, 19 de junho de 2010

Símbolos da modernidade

Cada semana de 2010 revela uma tendência na área política. É assim do início da pré-campanha, depois de fevereiro, e somente se intensifica até a campanha tomar de fato um rumo e assumir uma característica específica no auge da disputa. E só então, quando se entra nesta reta de chegada, é que se descobre qual ou quais os motes que serão preponderantes para que um candidato vença e os outros percam no pleito majoritário.
Mas, enquanto isto não acontece, diversas linhas de pensamento e de perfis específicos vão surgindo, num movimento curioso, como se fossem feitos testes com os candidatos e, logo, com o eleitor, para saber qual qualidade – ou defeito – pesa mais para quem vai digitar seu voto na urna. São diversas, portanto, as questões levantadas entre os grupos políticos diletantes para elevar o conceito de seu pré-candidato e, claro, comprometer a imagem e a competência de outro.
Há algumas semanas persistindo na lide dos debates entre os dois principais candidatos em voga nas pesquisas até o momento, um item promete ser mais do que uma provocação passageira de pré-campanha. O debate sobre a “modernidade” chega com força nas eleições de Goiás deste ano, com a expectativa alimentada de parte a parte pela participação dos grupos de Iris Rezende e Marconi Perillo. Ambos, sob sua perspectiva institucional enquanto partidos defendem que seus ideais, suas propostas e, obviamente o seu candidato, é o que tem o perfil mais adequado para atender à modernidade.
Mas a dúvida que surge neste horizonte de tentativas de emplacar um nome na empatia do eleitor é: o que é modernidade? Ou, ainda: para que serve como vantagem ter a pecha de algo “moderno”? O novo sempre surge, quer alguém queira, quer não. Mas nem todo novo, nem toda “nova novidade” é benéfica. O Brasil, o mundo, e cada um de nós em nossos universos particulares e cotidianos sabemos que nem tudo que nos surge como novidade e símbolo supremo de modernidade é proporcionalmente bem-vindo e positivo. Os exemplos são de se perder de vista.
Mantendo o foco em Goiás, é interessante perceber como há tanta insistência na criação do perfil do “moderno” que até mesmo alguns bastiões já foram elencados pelos pensadores das campanhas. Entre eles está a inclusão da informática no discurso, agora traduzida com um “moderno” termo de “Tecnologia da Informação” (ou simplesmente TI) e, ainda, uma ferramenta digital descompromissada, meio moleca, que vem ganhando importância superestimada: o tal do Twitter.
O Twitter nada mais é que uma rede social, na qual pessoas podem ecoar uma opinião simples ou relatar rapidamente um ato de suas vidas para centenas, milhares e até milhões de pessoas. Quanto mais seguidores, ou seja, gente interessada em saber o que você faz e pensa sobre qualquer assunto, mais eco digital haverá em uma simples frase. E uma informação besta como o presidente Barack Obama dizer, hipoteticamente, “Hoje acordei indisposto, com piriri e vou ficar na cama” pode chegar a milhões de pessoas pelo mundo. Tudo via Twitter.
E o tal do Twitter, um bobagem que ganha ares de instrumento de batalha, tornou-se item diferencial entre candidatos. Em entrevista ainda inédita para um jornal goiano, o dirigente tucano Antônio Faleiros usou a rede social para reivindicar que a modernidade numa eventual gestão de Goiás cabe a Marconi Perillo, seu candidato. Questionado do porquê ser Perillo um representante da modernidade e quais instrumentos usaria para ser um gestor modernos, Faleiros explicou que, por exemplo, Marconi Perillo usa as ferramentas tecnológicas muito bem, como o... Twitter.
Ora, seguindo este pensamento, de forma retilínea (e até boçal da minha parte, confesso), mas que foi a forma igualmente retilínea apontada pelo dirigente tucano, um internauta frenético do interior do Piauí, como o auto proclamado “Lucas Celebridade”, da tímidíssima cidade de Luzilândia, pode também se revelar como um grande gestor da área tecnológica de um governo. Isto para dizer o mínimo. Marconi Perillo tem cerca de 12,5 mil seguidores. É senador de República e foi governador por oito anos. “Lucas Fama Pop”, que é como o problogger se apresenta, tem quase isso, hoje conta com mais de 10 mil seguidores.
Em seu currículo laboral e social, Lucas se apresenta como animador de eventos e radialista. Foi a São Paulo pela primeira e única vez neste ano. De ônibus. Proporcionalmente Lucas Celebridade é mais moderno e mais preparado para assumir um debate sobre modernidade e tecnologia que Marconi Perillo, caso seja este o item escolhido para ser basilar para o embate.
Esta tese não serve pra desmerecer o trabalho de Perillo como político, ou mesmo a sua aliança íntima com o uso positivo da ferramenta Twitter – Marconi, ao lado do também senador Demóstenes e do deputado Rubens Otoni, possivelmente são os políticos goianos que usam com mais objetividade e sabedoria a tal rede social – mas o que fica claro é que não é este discurso que vai transformá-lo num político moderno e cheio de idéias boas e novas. Dizer que modernidade é o gestor saber usar computador e programas de internet é como dizer que eu, tendo um carro veloz e sem nunca ter me envolvido num acidente de trânsito, poderia assumir o lugar de Rubens Barrichelo de Formula 1. Quando, na verdade, eu nem caberia dentro do cockpit.
A estratégia de colocar Marconi Perillo na proa da modernidade é atingir a imagem de Iris Rezende em dois pontos. O primeiro é quanto à compleição física do peemedebista. Ele é velho e isto é um fato tão comum quanto inexorável. Não necessariamente significa afirmar que ele seja antiquado. Mas traz como qualquer ser humano da sua idade, as marcas do tempo.
Além disto, há outra preocupação com Iris Rezende. A sua gestão recente à frente de Goiânia colocou o político que detém a carreira mais profícua e longeva de Goiás numa posição de extrema modernidade: ele ganhou a preferência de jovens na capital, atuou junto a ações efetivamente tecnológicas em diversos setores da economia e da gestão pública. Ao mudar a forma de gerir a capital, Iris usou justamente com um traço que preocupa e muito os tucanos: a modernidade.
As proposições ainda estão começando a ser descortinadas. E possivelmente o debate sobre o “moderno” e o “antiquado” está só começando. Ainda há muito a se descobrir, mas é certo que a conversa precisa ir além do discurso de que o candidato “saber usar o mouse e mandar e-mail” faz dele um grande preceptor do “novo”.
E, por fim, é fundamental ter noção de que nem toda cara limpa e esticada carrega o pensamento proporcionalmente limpo, esticado e... avançado. A idade serve para contar o tempo, e não a juventude das idéias.

Ode (torta) à tristeza

Passei pela cozinha e minha empregada, alegre e distraída, ouvia e cantarolava uma canção do Gian e Giovani. Um clássico do sertanejo infeliz, como todo bom repertório sertanejo deve ser: sofrido. “Recebi o convite do seu casamento, com letras douradas num papel bonito. Chorei de emoção quando acabei de ler. Num cantinho rabiscado no verso, ela disse ‘meu amor eu confesso estou casando, mas o grande amor da minha vida é você’”.
Sofrimento. É sabido por toda a humanidade de gente feliz e satisfeita não faz filme, não escreve livro e não grava música. É um fato que a dor e o incômodo movem as vontades, o mundo. E há nos sentimentos profundos, como o amor, um quê desta inquietude. Há algo de desesperador em todo amor que se vive. E são deles os componentes combustíveis para a criação das artes, das manifestações. Freud assumiu que o desejo move o mundo. E é isto: os desejos são os amores. De qualquer natureza, sexuais ou não.
A música está repleta de exemplos e mesmo eu não sendo um entusiasta das duplas brejeiras, e até mesmo flertando com o caricato ridículo, acredito que é preciso fazer uma defesa dos cantores do desamor. Afinal, em última análise, eles não estão sozinhos. O charme e a elegância que ganharam o mundo através do Tango já não escondem que traz dentro de si o mais bruto sentimento de abandono da pessoa amada.
A diferença entre o Tango e o Sertanejo? Muitas, infinitas, em sofisticação, elegância, trato musical e centenas de outras coisas. Mas lá no fundo a força motriz é uma só: as desilusões. De modo que a canção mais famosa mundialmente do gênero de Carlos Gardel, aquela que todos se lembram de uma cena de Perfume de Mulher, é de autoria do próprio e se chama “Por uma cabeza”, na qual o personagem compara a infelicidade trazida por uma mulher, assim como aquela tida com um cavalo de corridas. E, por fim, descobre: “por causa de uma cabeça acontecem tantas loucuras”.
Assim o Tango, o Fado, o Samba e a Bossa Nova. Estes dois ritmos, então, dispensam comentários. “Tristeza é senhora, desde que o samba é samba é assim”, atesta Gil e Caetano, criando uma frase lapidar para esta certeza de que a dor da dor é o que nos move.
Isto para falar de música. Mas em todas as artes, o homem tem se manifestado por causa do ser amado. Na Divina Comédia, Dante Alighieri desce ao inferno, encontra com o barqueiro do mais baixo ciclo infernal por causa de uma mulher. Não quer dinheiro, fama ou outra sorte de coisa. Quer ser amado por quem ama.
Milan Kundera, mais sutil e profundo, relata a história de um casal histriônico, Tomás e Teresa, na qual os sentimentos de perda, de abandono e da conquista perdida substituem a ternura do amor. Está em “A Insustentável Leveza do Ser”, um clássico cujas pitadas da filosofia moderna dão um ar de obra-prima universal. A evolução de qualquer sentimento de amor sexual e paixão podem ser trocados a qualquer momento por esta sensação de perda vivida pelo casal. E nisto tudo, entra um longo relato de Kundera sobre “compaixão”. Amores desfeitos geram imediata carga de compaixão, seja pelo outro ou mesmo por si próprio.



Por isto, muito preocupa esta ditadura da felicidade que o mundo se impôs. É difícil saber onde começam as coisas, os primeiros movimentos. Mesmo com um mundo tão pequeno como nós já conseguimos torná-lo, é ainda impossível saber como nascem as tendências. Mas há quem tenha criado esta sensação de felicidade plástica. Do eterno e constante sorriso. Até mesmo as cirurgias estéticas deixam as mulheres com sorrisos idênticos, marcados, os mesmos. Há uma espécie de opressão, uma ditadura da felicidade.
Existe uma obrigação em ser feliz. Em estar feliz. Em viver a vida como uma celebração à felicidade, como se não fosse possível sentir-se oprimido e confuso diante de tão gigante experiência. Quem passa pela vida sem se inquietar é porque – verdadeiramente – não foi tocado pelo titânico poder opressor que é esta experiência. Quem não se pergunta, não se põe em dúvida ou em engano, acerca do que é a vida, não conseguiu sequer entender que existe mais dúvidas que respostas em todo este processo.
E neste ponto, as religiões têm muito disto. As religiões ocidentais, como um todo, prevêem respostas para tudo. Não abrem espaço para a dúvida, para o desconhecido, para a mágica do místico, do incógnito. São estas perguntas que nos geram aflição. E da aflição, do medo, da angústia desta sensação, vamos à descoberta. Mas as religiões não admitem isto. Querem responder a tudo, mesmo que desafiem a lógica, o sentido e a inteligência.
Religiões são um prato cheio de idiossincrasias neste aspecto. E ao querer responder tudo, forçando respostas e forjando teorias, exigem que se acredite em nome da felicidade. É crer e ser feliz, num estalar de dedos. Em nome do conforto, as pessoas precisam crer e isto fará delas pessoas felizes. Por que não admitem que viver é também sofrer silenciosamente?
Creio, bem pessoalmente, na importância de se ter crença em algo. Ou em diversas coisas, mas que não nos apoiemos nisto como uma resposta para tudo e para todas as nossas inquietações da vida, da matéria, do espírito. Religião deve ser um trampolim e não uma muleta. Que lhe conforte, mas que lhe projete para o além de onde se está, mesmo não curando as feridas das suas dúvidas, da sua infelicidade.
Até as drogas, hoje, servem para deixar o sujeito feliz. O ecstasy, o grande barato que dominou o mundo a partir dos anos 90, vem deste conceito: a pílula do amor. Está triste? Desanimado? Levou um pé na bunda? Ora... a pílula do amor é a solução. Assim, as pessoas não se permitem mais ficar tristes. Ao inventarem tanta alegria e condenarem tão veementemente a solidão e o encantamento do muxoxo pretendem desempregar psicólogos, desocupar ombros de amigos e matar a poesia. A poesia só existe nos lapsos infelizes das pessoas alegres ou na alegria fulgás das mentes deprimidas. Se unificarem os pensamentos e comportamentos com alegria espiritual ou química, o mundo será uma massa humana idêntica.
Que vivamos, portanto, com o direito de sorrir, amar, e vivermos a história de amor que quisermos. Mas que tenhamos igualmente o espaço para o banzo, a melancolia. Que possamos viver sem censura as perdas dos amores desfeitos. Que choremos baixinho, sem que ninguém veja, mas sem culpa, pelos abandonos, os laços desfeitos, os planos inconclusos, os sonhos não materializados.
Que nossas inquietudes e dúvidas em relação à vida faça-nos filósofos, pensadores, poetas, políticos, escritores, artistas, músicos, compositores da existência humana, uma epopéia que os mais medíocres sequer conseguem enxergar, como se analisar isto fosse conversa de quem anda desligado do mundo. O que não vêem é que o mundo só existe para que você esteja vivo e nele viva.
A vida, a arte e o mundo de sentimentos que abrigamos dentro de nós pedem por isto. Que não sejamos imediatistas ou apressados, porque a felicidade há de surgir uma vez que as coisas boas sempre pedem passagem em nossa vida. Enquanto isto, de Gian e Giovani ou de Carlos Gardel, que possamos viver a intensidade em verdade daquilo tudo o que sentimos.