quarta-feira, 21 de abril de 2010

O efeito "Gomide" na pesquisa de Anápolis

Iris Rezende Machado, se um produto ou uma marca comercial fosse,seria o que na publicidade e na administração os acadêmicos e pesquisadores chamam de “case”. O tal “case”, um simples charme do que traduzimos intuitivamente como um “caso” é nada mais que um exemplo e um modelo curioso a ser analisado com cuidado, verificando todas as situações em que aquele fato se deu e como foram os seus desdobramentos. Um exemplo rápido de ‘case’ na publicidade: a recuperação editorial, financeira e de imagem do jornal carioca O Dia.
Quando normalmente uma empresa mata uma marca para fazer o nascimento de outra, limpa, nova e com a roupagem que se deseja dar, o diário O Dia conseguiu fazer tudo isto mantendo a sua marca, sem troca de cara. Um ‘case’ clássico estudado em vários níveis por pesquisadores de diversas áreas, da economia à comunicação.
Pois Iris Rezende, como político, se reinventou. Ele é como O Dia. Está longe, hoje, de ser o político considerado ultrapassado, desgastado e com uma imagem presa a outras eras da política de Goiás ou do Brasil. Do contrário, é atual e possui traços de modernidade em sua mais recente gestão, à frente de Goiânia.
Mas mesmo assim, há quem se recorde de Iris Rezende há, 30, 40 anos. E por isto guarda a imagem dele como um político carregado de histórias, de decisões naturais que o levaram a desagradar determinados grupos ou até mesmo alguns municípios. Em Anápolis, o retrato dos quadros PMDB estadual sempre estão marcados por estas ações do tempo. Trazem manchas amareladas de governos que, na opinião de muitos anapolinos, deu as costas para a cidade, ou não a atendeu conforme a sua importância política.
Hoje, analisando este momento pretérito da política, é mais fácil compreender que as disputas internas e de nomes antagônicos no cenário é que tiveram como efeito colateral esta mitigância de Anápolis a segundo plano. Mas, no calor dos acontecimentos é impossível analisar a história. Mesmo assim, ainda nos dias atuais, há quem sinta o quente daquelas disputas e rechace o nome de Iris Rezende por conta do seu passado e não do seu presente que nem chega a ser analisado. Coisas de paixão, como é a política.

Empate
No entanto, neste cenário municipal – olhando especificamente Anápolis – percebe-se uma mudança na visão que o anapolino tem do peemedebista. De 2002, 2006 para cá, os nomes do PMDB, como Maguito e Iris foram testados e todas as vezes a cidade descartou confiança a ambos em nome do que já houve nesta relação em outros carnavais. Agora, a situação dá claros sinais de mudança. Parece que algo pde ter mudado. E de fato aconteceu. Mas se Iris é o mesmo de sempre, já que não se fizeram adulterações significativas na matéria, o que aconteceu?
E então entra um efeito notável na política e que em Anápolis está cada vez mais claro: a transferência de credibilidade. A pesquisa Fortioti/Jornal Estado revelou na última semana não somente o grande momento pelo qual a gestão de Antônio Gomide atravessa, com quase 80% de aprovação, e o prestígio absoluto de Rubens Otoni – lembrado por mais de 68% dos eleitores para uma vaga no Senado, mas também reportou a dados eleitorais interessantes. O que mais chama atenção é que o antes preterido Iris Rezende agora cola no (também) antes queridinho da cidade, Marconi Perillo.
Se existe uma diferença bem pequena na aferição estimulada, na pesquisa espontânea – aquela que o cidadão abordado cita um nome que lhe vem à mente – registra-se um empate técnico. Marconi Perillo tem 19%, enquanto Anápolis dá a Iris Rezende 18,3% das intenções de voto.
Se Iris não mudou, mudaram as companhias. Se não foi possível reinventar um mesmo político, como fez O Dia, a mudança vem a partir da credibilidade que existe nas figuras de Rubens Otoni e de Antônio Gomide que tem feito uma administração irrepreensível, tendo 3,5% de desaprovação, valor este inferior à margem de erro que é de 4,9%. A simples aproximação de Iris Rezende a imagem destes nomes e a união destas forças ao discurso de que representam de fato a base política do presidente Lula em Goiás gerou um grande ‘case’ político, renovando e reoxigenando o conceito político que a cidade de Anápolis tem a respeito de Iris Rezende. Bem cotado, Lula tem 83,7% de aprovação na cidade.

Prestígio

Se a esperança tinha o desafio de vencer o medo, em Anápolis ela, a esperança, dá mostras de estar soberana, fazendo os anapolinos entenderem a importância do momento político de se referendar um candidato que representa o Governo Lula e o Governo Municipal de Antônio Roberto Gomide.

A campanha oficialmente ainda não começou. E e estes nomes citados, Lula, Gomide e Otoni, sequer foram às ruas da cidade e do Estado para pedir votos e explicar pessoalmente o projeto que existe para Goiás. Portanto, o acumulo de prestígio há anos não verificado de Iris em Anápolis é fruto tão-somente do aquecimento eleitoral pela proximidade com estes quadros. É de se imaginar o que poderá ocorrer quando, em campanha, Antônio Gomide colocar-se nas ruas ao lado da sua aprovação maciça para – fazendo de sua credibilidade – pedir que também creiam no projeto de Lula a ser seguido e implantado de vez em Goiás, através de Iris Rezende.

É sabido que em política a lógica é apenas uma variável remota de algo que pode acontecer. Portanto, desencadeamentos matemáticos e previsíveis têm o mesmo risco de procederem ou não de uma improbabilidade. Delírio e certeza se misturam com o mesmo peso. Mas, neste momento, uma afirmação categórica e precisa é permitida na análise dos fatos: o prestígio do PT de Rubens Otoni e de Antônio Gomide – e sua administração de resultados – já começa a dar sinais de que o período de colheita está próximo. E a safra pode ser das melhores.

(des)Acertos de uma eleição

No momento de azeitarem as máquinas, partidos e dirigentes políticos deslizam nos discursos, atacam sem estratégia a quem passa pela frente mas, principalmente, esquecem que o passado é a grande lição para um novo futuro




A última semana política em Goiás teve de tudo. Tudo mesmo. Das situações mais inusitadas até o óbvio ululante. Este exemplo ficou por conta do senador tucano Marconi Perillo que, via Twitter, “anunciou” oficialmente o que se sabia desde 2006: ele é pré-candidato do PSDB ao Governo do Estado. Em um momento de ressaca das definições acerca das desincompatibilizações, a busca por geração de notícias que ocupem o espaço destinado à política na imprensa goiana é uma tarefa árdua. Mas os dirigentes e quadros políticos de todos os partidos se esforçaram.
Com declarações confusas e, muitas vezes, visando o ataque pelo ataque, sem que haja na afirmação qualquer lastro de estratégia, a comunidade política parece viver agora um hiato de calmaria e intensa atividade interna, na qual os próprios políticos, acostumados com o calor das eleições, não estão acostumados. E então começa o festival de declarações tresloucadas.
Se o melhor aprendizado para a construção do futuro é a observância dos erros cometidos no passado, esta lição, por enquanto, não tem feito grande efeito dentro de grandes partidos e na intelectualidade de grandes nomes da política goiana. A começar pelo PMDB.
Legenda que tradicionalmente reúne as mais diversas tendências e perfis de quadros, em Goiás o partido mantém esta pluralidade e, claro, paga um preço por ela. Depois de sacramentar a pré-candidatura de Iris Rezende ao Governo e por fim a uma crise de “tensão-pré-eleitoral” em todos envolvidos direta ou indiretamente com a política, agora é o momento de organizar a chapa e o próprio partido, preparando as bases lógicas para uma campanha eleitoral.

Isolamento
E foi neste processo, dito mais fácil depois dos dias de nervosismo e apreensão sob o risco de não poder contar com a principal estrela da legenda, que a coisa desandou. A conversa que vaza para a imprensa com recorrência é a de que há uma ala importante e tradicional no PMDB que busca a formação de uma chapa pura, ou seja, com Iris candidato e na vice outro peemedebista.
“Temos um histórico de derrotas por não termos feito alianças”, grita Daniel Vilela, vereador em Goiânia, que traz no DNA tanto a política, quanto o partido. Ele é filho do ex-governador e atual prefeito de Aparecida de Goiânia, Maguito Vilela. “Interesses pessoais não devem sobrepor aos do PMDB”, é o que garante o deputado estadual Thiago Peixoto. Além deles, outro nome surge considerando a hipótese um absurdo. Francisco Junior, presidente da Câmara Municipal de Goiânia, não quer nem pensar na possibilidade.
As declarações partem com contundência por parte da chamada nova geração do PMDB, que desde cedo aprendeu do jeito mais duro, com a dor da derrota, que política se faz com união de forças e distribuição de louros e tarefas. O isolamento em uma chapa somente em casos urgentes, específicos e isolados. Mesmo assim há quem aja dentro do partido defendendo a idéia de que nomes como o do presidente do partido, Adib Elias, possam ocupar este espaço. E então o PT e os demais partidos que integram a corrente simpática a Iris ficariam chupando o dedo.
No entanto há quem veja a atitude dos velhos caciques do PMDB como uma estratégia clássica e manjada: a da negociação. “Fazem isto para negociar. Todos já aprenderam as lições do passado, mas agora fazem isso para chamar atenção, ganhar mais espaço e, quem sabe, atrair novos aliados”, sentencia um deputado peemedebista que se diz “um pouco descolado da linha irista”, mas mesmo assim um defensor da candidatura com o ex-prefeito à frente.
E, de fato, tanto no meio político como na imprensa, a hipótese de charme de negociação é a mais viável. Isto porque ninguém duvida que os peemedebistas não tenham aprendido com o passado recente. Em 2006, com Maguito Vilela à frente nas pesquisas e a possibilidade clara de aglutinar o PT ainda mais, o grupo do PMDB decidiu negar a vice ao partido que tem a presidência do Brasil e formar uma chapa pura. Com Onaide Santillo na vice, a derrota foi acachapante a começar pelos resultados apurados em Anápolis, terra da ex-deputada.


A candidatura que nasceu de um aborto

Mas não somente no PMDB que a memória para fraca. A suposta ‘memória seletiva’ dos políticos goianos é igualmente manifestada no lado exatamente oposto à legenda de Iris Rezende. No PSDB, os tucanos começam a se organizar na busca por um vice competitivo, e na formação de chapas tentadoras proporcionais e ao Senado.
Mas foi em uma entrevista, no mínimo curiosa, que um dos quadros mais históricos da política de Goiás manifestou-se com claro embaralhamento entre passado e presente. Perto de completar 80 anos, seu aniversário é neste dia 15, o ex-prefeito de Goiânia Nion Albernaz ocupou a imprensa para analisar os diversos cenários. E calhou de atacar a pré-candidatura apoiada pelo governador Alcides Rodrigues, liderada pelo ex-prefeito de Senador Canedo, Vanderlan Cardoso.
Segundo Albernaz, a candidatura o republicano nada mais é que um projeto forjado na cúpula dos partidos, ou seja, não tem apoio das bases nos municípios ou mesmo respaldo popular, ao contrário – é claro – da que ele defende, a do senador Marconi Perillo. “Este projeto foi criado dentro do Palácio, por lideranças de legenda. É uma candidatura de cúpula”, disse, finalizando que por esta característica, o projeto de Vanderlan estaria fadado ao fracasso.

Memórias
Outro golpe de memória que pode ser fatal para uma declaração neste momento político. Se hoje Marconi Perillo é hoje um líder inconteste da política de Goiás, depois de ser reeleito governador, sua origem está longe de ser popular ou de ter tido respaldo intenso das bases dos municípios. Em 1998, quando era um jovem e apagado deputado federal, Perillo conseguiu espaço para ser candidato no projeto do Tempo Novo, depois de ser criado – ou melhor inventado – após uma desistência.
Quem se recorda dos bastidores daquela eleição, afirma que até mesmo o então vice, o hoje governador Alcides Rodrigues, prefeito de Santa Helena, já havia sido escolhido, enquanto somente se esperava uma definição para a cabeça da chapa. E foi Roberto Balestra – que era o nome o principal nome para ocupar este espaço – quem desistiu de última hora de assumir a árdua missão de enfrentar o então todo-poderoso Iris Rezende, que abriu espaço para o jovem Marconi Perillo.

Troca de papéis
Marconi, portanto, além de ser um líder que naquele 1998 foi fabricado entre tucanos e pepistas isolados e recuados em guetos políticos diante da supremacia peemedebista, teve sua candidatura nascida a partir de um aborto projeto montado para servir a Balestra. Perillo foi chamado e conduzido por nomes como Henrique Santillo, que ainda teve resistência de entrar no projeto de início, e Fernando Cunha Junior, que até mesmo topou ir para o sacrifício de uma disputa do Senado para bancar a chapa quixotesta. E deu no que deu.
Mas Albernaz decidiu se esquecer disto, possivelmente de forma estratégica. Tudo porque agora, a comparação dos dois momentos – 1998 e 2010 – são extremamente válidos e semelhantes. A panelinha de 98 pode ser bem configurada pela vontade de Perillo em ocupar pela terceira vez o posto de governador. E quem surge no cenário como o novo, aquele que vem da escuridão do desconhecimento das massas para tentar lutar com o Golias político é justamente Vanderlan Cardoso. Mas, pensar nisto e – pior – revelar este pensamento é perigoso e não interessa ao grupo tucano.
Por fim, a favor de Vanderlan Cardoso está um argumento importante. Se de fato seu projeto nasceu de reuniões de cúpula envolvendo Alcides Rodrigues, Barbosa Neto, Sandro Mabel, Jorcelino Braga e outros caciques de alta linhagem dos partidos políticos de Goiás, Vanderlan conta ainda com o importante respaldo de Abelardo Vaz. O prefeito pepista da acanhada Inhumas nada mais é que presidente da AGM, a Associação Goiana dos Municípios, o que faz com que a pré-candidatura de Vanderlan nasça do sentimento municipalista. Se conseguir efetivar a idéia – e usá-la – de que tem o respaldo dos prefeitos e estes o apoiarem em seus sítios eleitorais, Cardoso terá uma certeza: vai dar muita dor de cabeça para Perillos e Rezendes por aí.

 
Ações de bastidores ‘amolecem
o coração’ de Ronaldo Caiado

Além deste cenário de análises ‘estrategicamente delineadas’, para o PSDB a busca por alianças segue sendo um enorme desafio. E assim, para dar respaldo no tempo de TV e promover capilaridade política para a campanha, o DEM continua sendo o grande prêmio a ser conquistado. E na última semana, a movimentação parece ter surtido efeito.
Se chegar ao presidente da legenda, Ronaldo Caiado, é uma tarefa espinhosa, a tática tucana é convencer as bases democratas. E que elas façam o serviço de amolecimento do ‘coração político’ de Caiado. Assim está sendo feito e assim parece gerar resultados. O deputado, que recentemente foi novamente ríspido com Perillo por conta do episódio Junior Friboi, agora já dá sinais de ponderação.
Frases como: “Precisamos nos unir com partidos e grupos que respeitem o DEM e que sejam afinados com nossa forma de pensar” e “Vou ouvir as bases e tomar uma decisão. Não podemos agir de forma isolada, mas sim consultar a todos”, vindas de Ronaldo Caiado, já representam muita coisa. Um passo para trás para o político que dia destes estava soltando a uma rádio de Anápolis coisas como “Não convivo com estes senhores (Junior e Marconi)”. Já para a legenda, parece ser um passo na direção do ninho tucano. Em se confirmando a possibilidade, Caiado será outro que terá de esquecer o passado e engolir Marconi Perillo de quem já se falou de quase tudo contra.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Sobre meus pés cansados

Bem atrás do encontro da Avenida Engenheiro Portela com a Brasil Sul há uma rua escondida. Bem escondida. Tão escondida que nem parece com a Anápolis que se conhece hoje, agitada, movimentada. Não se assemelha nem mesmo com a Anápolis que está uma rua acima, bem ali, no encontro da Engenheiro Portela com a Brasil Sul. Na rua se divisa claramente dois momentos de uma cidade que, no tempo, é possível contar meio século ou mais. De um lado, construções, casas, coisas comuns de quaisquer duas da região central. Mas do outro há terrenos grandes, com edificações rústicas e distantes. Do lado esquerdo de quem a sobe, a vida. Do direito, o delírio do túnel do tempo.
Escondida nesta rua há – mais escondida ainda – uma igreja. A igreja sintetiza os elementos curiosos desta via. É antiga, colonial, como se tirada de Ouro-Preto, Pirenópolis, Cidade de Goiás. Mas não é a Ouro Preto dos shows e movimentações turísticas, nem a Pirenópolis dos carnavais dos brasilienses. É do bucolismo só visto nos livros. O tempo suspende a respiração e os motores deixam de passar marchas nervosas para não fazerem barulho. Desconfio que, ainda que o fizessem, o som misteriosamente não chegaria lá.
A igreja bicentenária tem pouco mais de um ano e meio de construída e o luxo de sua edificação está na paupérrima simplicidade com que foi concebida. É até impensável que nos dias de hoje, de igrejas suntuosas, cujo sistema de ar condicionado central é o preço de alguns carros populares, aquela igrejinha simples se impõe, magnânima, em direção ao nada. Isto, ao nada. Ninguém a vê. Ninguém sabe que ela está lá.
Não sou católico. Não sou nem mesmo batizado em qualquer religião. E não admito que professem ignorâncias a respeito disto. Mas naquela igreja, a missa é rezada em latim. A mim, parecia fascinante. Sem que qualquer pessoa do meu convívio soubesse, lá fui ter naquela igreja. Por alguns domingos, às seis horas, lá estava eu tentando aprender os ritos de sobe, desce, ajoelha, repete. Nunca aprendi. Não deu tempo porque faltou empenho, confesso. Eu não estava lá para ser católico. Eu não precisava de conversão ou mesmo de perdão. Eu estava lá pela serenidade da paz que somente quem professa a fé possui. E crer é sentir. Crer é soltar o corpo e libertar a mente. E eu via aquelas pessoas dedicando-se àquilo. E aquilo me fez bem.

-------------

Em 2007, em uma das entrevistas que fiz para o meu programa na extinta TV Comunitária de Anápolis, recebi o bispo Dom Manoel Pestana. Era uma conversa para 30 minutos. Mas, admirado com tamanha profundidade de comentários, decidi estender, estender e conversei com ele por duas horas. Abusando de sua paciência e conhecimento para aquilo cuja própria vida foi dedicada, o indaguei: O que é Deus? E lá foi ele explicar, na filosofia da cristandade o que aquilo, o Deus, era, é. O que é fé? – redargüi novamente. E ele me contou uma belíssima história sobre o homem com fé que, na hora da morte iminente, pediu por seu Deus e seus protetores. Nunca a esqueci e conto a todos, emocionado que fico, a mesma história.
Para o mesmo programa, entrevistei e conversei muito com o pastor José Clarimundo Cesar, da Assembléia de Deus. Provoquei, busquei, tentei encontrar nele a figura do ‘crente’. Não encontrei. Foi ponderado, intelectualizado, ligado à razão. Ele não se lembra, e nem eu o revelei, mas foi em sua igreja o meu primeiro contato religioso quando em Anápolis cheguei. Conheci pessoas com quem tenho contato até hoje. Guardo boas e más recordações. Lembro-me do pastor Edelto, já falecido, da Primeira Igreja Batista de Petrópolis, local onde tive minhas primeiras impressões sobre religião. Lembro da doçura das suas ponderações. Da forma como lidava com a religião, sem nunca colocá-la como um cabo de chicote.
Minhas conversas sobre política e religião com o pastor Victor Hugo Queiroz com quem tive rápido contato, mas que, em mim, deixou marcas curiosas. Homem de racionalidade. Religião é, sim, um exercício de fé, mas é uma escolha racional. Escolhe-se o que encontrar nesta busca por respostas.
Recordo do pastor Leordino Lopes, hoje presidente do Conselho de Pastores de Anápolis, a quem entrevistei tantas vezes. E que na tarde da última quinta-feira fui ter novamente para tentar encontrar explicação para a bestialidade cometida na UniEvangélica. Conversei como ele por dois momentos. Ele precisou tomar conhecimento do ocorrido, através do reitor do centro universitário, pois ele mesmo não quis crer no relato que foi manchete deste jornal há uma semana. Compreensível.
No retorno da ligação, o sempre carinhoso Leordino me explicou que não conseguira conversar com Carlos Mendes, o reitor. Mas reiterou a mesma fala que me disse na primeira ligação e que, por opção pessoal não haverei de transcrever para que isto não gere incomodo a ele, como se este material tivesse por objetivo colocar a instituição e seu reitor em linha de tiro com o presidente do Conselho de Pastores de Anápolis. Não tem.
O que me chamou mais a atenção na fala do amigo Leordino não foi o seu conteúdo, mas a preocupação, a consternação de um religioso em torno da tristeza do ocorrido. Ele ficou repetindo seu lamento por diversas vezes num tom grave de quem sentiu a imbecilidade do ato. E excetuou por cautela e precaução o seu autor, e eu aqui também o faço: eu e ele, ali naquela ligação, percebemos que mais grave no episódio vivenciado por uma artista na UniEvangelica, não era o mensageiro, mas sim a mensagem passada.
Isto me tocou a tal forma a ponto de construir este texto desta forma, e não de fazer uma análise agressiva e contundente. Desconstruir a atitude de Carlos Mendes por conta deste episódio seria tarefa muito, mas muito fácil. Até porque publicamente, ele está isolado. Ninguém, ainda que pense – ato de achar intimamente e em silencio – como ele, terá motivação suficiente para defender uma atitude desta natureza. É como discriminar negros e homossexuais. O preconceito existe. Mas está no íntimo de cada um, bem guardado.
Portanto, não há quem aponte um dedo a Carlos Mendes, ou a ninguém, e diga que ele merecia ou não uma resposta tão agressiva quanto a atitude que cometeu ao expulsar uma artista especializada em arte sacra de suas dependências. Não importa a culpa ou o merecimento dele. O que deve ser alvo de preocupação é a mensagem do ato em si. E eu vi isto na voz grave de Leordino. Carlos Mendes não agiu por religião, mas por política. Ele não brigou por Deus, porque Deus não lhe outorgou uma tarefa tão acima de sua capacidade limitada. Sua medida, ali, foi de política: a ideologia que defendo está acima da sua. E pronto.
Mas quando conversei com Leordino, percebi que ele conversava sobre fé e credo.
Quando entrei naquela igreja escondida, cuja missa é rezada na teatralidade do latim – e quando deixei de ir – eu estava respirando e buscando fé. Quando me dedico a escolher alguns homens, como os citados nominalmente acima, para ouvir o que eles têm a dizer, eu estou querendo que a fé deles me persiga e em mim faça morada. Política religiosa é a mais fácil de se fazer porque a desculpa e justificativa mais plausível todos têm: é em nome de Deus. Mas o assunto deste artigo não é este.
Eu já vi coisas se mexerem à minha frente de um lado para outro, já vi gente falando em línguas esquisitas, já vi pessoas serem curadas de doenças terminais. Eu já vi coisas absurdas serem invocadas e vi milagres acontecerem. Eu acho até que já senti Deus mexendo em duas ou três coisas na minha vida. Isto é fé, é credo e, em última análise, isto é o transcendental se manifestando sem que você faça idéia ou tenha controle do que esteja acontecendo.
Mas eu também já deixei uma sala de aula de terceiro grau, de um dos quatro cursos que freqüentei, porque a professora disse que o ateísmo era uma imbecilidade. Saí. Não sem antes citar metade das sandices geniais de Nietzsche sobre a religião e o Deus da “modernidade”. Mas isto não é fé. É política. Assim com a professora, como o filósofo alemão e como Carlos Mendes, há muitos jogando em cima de Deus e de Sua suposta vontade uma porção de atitudes estúpidas e agressivas. Mas isto, todos sabem, é política. Porque qualquer ser vivente é capaz de entender que a fé e o credo não estão em uma imagem, em um conto de madeira ou de marfim, em um livro mal traduzido, e às vezes maldosa e tendenciosamente mal interpretado.
Fé é o que percorre seus olhos quando vocês os fecha. Deus caminha pela sua vida quando você dorme e não O está importunando com desejos, anseios, movimentos calculados. Aos homens de batina, de gravata ou de avental, é que importa tanto a fé quanto a política do credo. A eles, corretamente, cabe decidir a política da religião. São eles que cuidam dos grandes grupos. A nós, cabe cuidarmo-nos de nós mesmos.

--------------------

Eu sigo o meu caminho, como muitos, entre a beleza da fé, do contato com o lógico, ilógico e o translógico, esta a pura manifestação do divino superior. Sigo também desviando do mau cheiro do oportunismo, da ignorância beligerante do fundamentalismo, dos que misturam política de dominação com o carinho do conforto da doutrina espiritual que se lhe faz parte.
Vou buscando conhecimento, em caminhos estreitos, ruas largas, em busca da paz e da tranqüilidade espiritual. Porque se em vida pouco me falta a presença dentro de mim de uma religião que me sirva de muletas, sei que haverá de haver um encontro futuro com a suprema criação que concebeu a vida e que dela tomará conta de volta. E quando este dia se apresentar, eu gostaria de estar mais sereno, mais seguro, mais sábio e menos confuso, para que, se houver uma luz, ela não me cegue, mas me guie. Não me queime, mas me aqueça. Não me confunda, me esclareça.
Mas enquanto não me repouso neste descanso de fé em vida, vou seguindo suportando o peso do meu corpo andando sobre os meus pés cansados, e outros pesos inerentes à humanidade. Vou desviando da estupidez e da intolerância. Esquivando-me, com rapidez mas tristeza, dos donos da verdade que, arrogantes que são, tornam-se ainda mais risíveis e patéticos ao serem desmascarados como seres cuja limitação intelectual chega a níveis tão irrisórios que se acham, eles mesmos, deuses soberanos de uma verdade que nem a ele, e nem a ninguém com absoluta certeza lhe foi revelada.
A maior tarefa do homem, de hoje e de sempre, é se suportar sem que precise para isto, arrancar a vida do outro para que tenha razão. Conviver com o que lhe incomoda é o que mais nos afeta. Desde, vejam só, Caim e Abel.
Abracemo-nos. Não em uma religião, não no seu, no meu ou no nenhum Deus. Mas, somente – em nome do respeito e da caridade que todas as seitas, do oriente ao ocidente, pregam – abracemo-nos.