sexta-feira, 21 de maio de 2010

Permita-se

‘A felicidade é uma arma perigosa’, escreveu John Lennon numa música dos Beatles que, anos depois, Belchior fez questão de traduzir a frase e usá-la literalmente como ‘a felicidade é uma arma quente’. A felicidade como sentimento totalitário é composto de diversos preceitos. “Ninguém é feliz, somente se está feliz”, muito já se sabe disto com a própria experiência de vida. Mas, uma hora, e esta hora haverá de chegar, nós nos saberemos felizes ou não. Mais do que estarmos ou sentimos, em algum momento já mais próximo do ocaso da nossa existência, vamos saber o que construímos e avaliar se fomos ou não felizes. Aí, sim, torna-se totalitária a sensação de felicidade.
Um dos componentes da felicidade é viver o amor. Ou os amores. Porque os amores são tantos e infinitos na rede de sentimentos que despertam em cada um. O amor pelos filhos, na magnífica relação instintiva que o animal tem pelos seus descendentes, o amor pelos pais na mesma medida. Mas o grande amor em questão, o perigoso amor, é o que se escolhe. O amor que se opta por viver.
E este amor, ou estes amores que se sente, é tão perigoso quanto a felicidade. Amor mata e faz morrer. Quase tudo é amor. E há os tipos de amor que constroem e os tipos de amor que destroem. Neste processo de paixão e amor por outra pessoa, uma desconhecida da qual em poucos instantes decidimos viver com e por ela, os amores são diversos e para diversos fins. Mas uma coisa neste texto haverá de ficar claro: amores não são feitos somente para fazer bem.
Quem prega que o amor é um sentimento sagrado, ou que pregue qualquer preceito transcendental, religioso, que desperte o amor, que me desculpe, mas nunca sentiu-se suficientemente repleto, transbordante da mais pura manifestação do amor. Porque o amor nos agoniza. Nem todo amor faz bem, porque o amor não nasce com a missão de construir. Ele nasce com a missão de acontecer. O amor é. Pronto. Ele é. Ele não tem de servir para isto ou aquilo. Não tem que servir de palco para construir um matrimônio, filhos lindos, uma casa na praia e dois velhinhos abraçados no domingo a tarde no parque. O amor pode virar isto, mas não é somente para isto que ele nos serve.
Porque o amor é agressivo por natureza. É um redemoinho de sensações. O sentimento do amor, bem com outras sensações igualmente pontiagudas e lancinantes, invade o cérebro humano em uma série de descargas eletroquímicas, numa explicação mais cética. Mas também invade a alma e nos recria, inventa belezas que não existem, cheiros agradáveis, coincidências inimagináveis. O amor constrói em nós o imaginário mais delirante como sendo a realidade mais banal. É o amor. Quem haverá de negar a mágica do amor para fica na frieza das explicações científicas? Ora, todo mundo sabe que o céu de Ícaro tem mais graça que o de Galileu.
Mas mesmo assim, com a explicação que você quiser ter, o amor não é feito para fazer bem. Porque o amor não é feito para nada. Repito: o amor é.
E tentam explicar, esclarecer. E quanto mais o fazem, mais se confundem. O amor é a sensação cuja existência se justifica em si própria. Quem nunca viveu o amor destrutivo? Aquele cuja vontade é matar, morrer, gritar, arrancar do peito o sentimento que faz com que você sinta ódio, desejo, paixão, raiva, cólera e supremo amor pelo ser amado e desejado? Amores são brutos.
Tentam mostrar a doçura do amor. E tentam até mais: mostrar que amor somente vale a pena quando são construtivos. Amor só é amor quando conclui-se no altar.
Mentira.
Patética mentira.
Até porque nem sempre pessoas se casam com seus grandes amores.
E até porque, em última análise, quantos amores não são precisos começar e terminar para que haja um que construa algo para além do tempo que o amor está em vigência? É preciso errar muitas vezes para acertar, é fato. Mas não é assim como amor porque ele não precisa da sua ou da minha aprovação sobre o que é certo ou errado para existir. O amor é. Não venha você com idéias requintadas e prontas para enquadrar o amor. Porque ele vai escorrer das suas mãos solenemente.
É comum que confundamos amor com felicidade. O amor pode trazer felicidade e a própria felicidade não existirá sem a presença do amor. Mas amar não é estar feliz. Amar não é distribuir sorrisos e estar em paz. Acham que amor é paz. Não, não... não é. E não me venha com o papo de paixão. Uma coisa é paixão e outra é amor. Desafio quem amou alguém sem ter sentido o que chamam de paixão. Paixão é o nome que dão aos amores desfeitos. É uma desculpa. Ah, não era amor... era uma paixão. Não seja covarde com o amor. Admita que ele veio, passou, e foi. E foi ótimo.
É fundamental encarar a agressividade do amor para que, enfim, possamos vivê-lo em sua melhor forma. Porque o amor é quem nos escolhe e não o contrário. Quando acontece, a hora que você pensa em desistir, ele já lhe ganhou pelas pernas, braços, pela dura-máter. É preciso compreender que nem todo amor que lhe faz mal, que destrói é um péssimo sentimento que não pode ser chamado de amor. É amor, sim.
E somente com os amores brutos e perdidos, inconclusos e escondidos nas trincheiras do tempo é que podemos vislumbrar a sorte de nos encontrarmos com um amor perfeito e construtivo. Destes dos velhinhos no parque. Possivelmente todo mundo quer este amor. E quer passar por cima dos perigosos, nocivos, dos sentimentos rasteiros e instintivos. O que não se entende é que somente através dos amores que não dão certo é que aprendemos a viver mais e melhor o amor para quando novamente ele aparecer, sabermos aproveitá-lo e usá-lo da melhor forma.
O amor ensina.
E só se vive o que se ama.
Não é porque você sofre que passa a ser ruim aquela experiência amorosa. Não é porque destrói que deixa de ser o nobre amor. É preciso coragem para amar e mais coragem ainda para não desprezar o amor. Porque fugir é fácil demais. Correr é fácil demais. Não encarar a vida em todas as suas grandezas – e muitas as grandezas que a vida nos oferece – é mais fácil que vivenciá-las. Mas somente com coragem para viver o que é “certo” ou “errado” é que se torna possível, uma hora, ter a sorte de construir algo.
Para isto, uma palavra de ordem basta: permita-se.
Permita-se viver amores seguros, de mãos dadas no cinema e a companhia certa na hora da missa ou do culto. Permita a alegria dos passeios nas tardes ensolaradas. Mas também permita-se viver a intensidade do desejo, das incertezas, dos amores nocivos e incertos. Dos amores noturnos, de quando todos dormem e somente os lençóis testemunham todo o medo e desejo guardado somente para serem esconjurados naquele momento. Permita o risco. Permita o amor proibido. Permita o desejo.
Permita a vida que, de tão certa e exata, um dia acaba.
Permita-se viver a experiência que alguém, Deus ou a Mãe Natureza, ou algo que você creia com força, lhe permitiu viver. A humanidade ao longo dos séculos tem tentado se impor freios e amarras que não são da vida ou da existência, mas são das políticas conspiratórias para dominar o homem. O homem, indomável, cai nesta armadilha, entre o que pode e o que não pode. Tudo é possível e tudo é permitido desde que lhe agrade e lhe seja bom. Se você gosta, seja. Se você quer, toque.
O amor não pede permissão para acontecer em determinados lares. O amor, sabe-se, não escolhe idade, religião, atenção, o amor não escolhe nem mesmo sexo. E ainda tentam fazer com que ele seja um sentimento exclusivo de determinada frente específica. Há quem tente, de batina, de gravata ou de avental, ter exclusividade por sobre sensações e sentimentos inerentes do animal humano. Não têm.
Portanto: permita-se a tudo que lhe fizer bem de acordo com o seu julgamento. Porque os amores são os amores. E só. Sorte de quem os encontrar para toda a vida e não só para o deleite seguinte. Os amores são brutos e brutos são os homens uns com os outros. Amemos e vivamos com coragem até encontrarmos o equilíbrio das sensações e sentimentos. E então, lá naquele momento final, saberemos dizer o quanto a felicidade foi um momento em nossa vida ou uma constante ao longo da trajetória.
A vida é pra quem tem coragem.
Permita-se.

domingo, 16 de maio de 2010

Dez anos esta noite

A vida não pede licença.
São dez anos e parece que eu consigo ainda lembrar o cheiro do monóxido de carbono que impregnava na sala de recepção do prédio gigante próximo à Praça da Bíblia. A pressa e velocidade dos carros e dos ônibus coletivos que entravam e saíam do terminal que ali funciona contrastavam diametralmente com o aspecto bucólico – e é este o termo perfeito – daquela sala de recepção. O caminho repleto de verde, com plantas, flores e obras de arte – para todos os gostos e conhecimentos – era uma espécie de oásis florestal no meio da imagem clichê da selva de pedra. Era o centro de Goiânia.
Na chegada ao Diário da Manhã através desta entrada, o choque de realidades sensoriais é muito grande. É como se mudasse o clima, o ambiente, a vida por completo em apenas alguns passos, num exercício de realidade virtual tão real quanto qualquer outra como as conhecemos. Os escapamentos dos ônibus assoprando poluição comburida com seus ruídos estrondosos de marchas sendo reduzidas ou aumentadas, o ronco dos motores possantes que impulsionam toneladas, de ferro e pessoas, – tudo aquilo ia sumindo a cada passo que se dava em direção à entrada daquele imóvel, como a última memória antes de adormecermos. A cada metro o verde ia crescendo em nossos olhos, o cheiro da poluição ia perdendo espaço e a vida triunfava solene, no som dos passarinhos nas árvores altas e no silêncio, repito, bucólico.
Mas todas estas impressões eu só fui ter tempos depois, quando entrar ali tornara-se uma tarefa diária, e muitas vezes apressada e árdua. Naquele dia, não. Na tarde daquele dia não havia tempo ou espaço mental para se ocupar da poesia do ambiente construído por Batista Custódio, e de sua mente brotado. Eu não fazia idéia, mas quando da minha primeira entrada em uma recepção de jornal diário, deu-se a minha entrada no jornalismo e na profissão de repórter de um dos maiores jornais diários do Centro Oeste.
Era minha primeira vez.
E, hoje, dia 12, faz 10 anos deste dia.
Eu e o também estudante do segundo ano da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia (Facomb) da Universidade Federal de Goiás, Victor Hugo Lopes, tomamos a decisão no início daquela semana de ir até o DM a fim de conseguir saber mais detalhes sobre o murmurinho de que estavam empregando estudantes por lá. Fizemos a combinação em silêncio nos corredores da faculdade, já que estudantes que ocupavam o lugar de jornalistas formados eram mal vistos pelos professores. Quando não perseguidos. Fizemos, assim mesmo, o nosso plano e por volta das 14 horas da sexta-feira, dia 12 de maio de 2000, entramos na tal recepção do Diário da Manhã em busca de um emprego, estágio, ou qualquer coisa que pudéssemos fazer dentro de um jornal.
Não sei, nunca soube e possivelmente não saberei – possivelmente porque não haverá explicação mais formal – porque ao informarmos da nossa intenção à recepcionista nós fomos encaminhados diretamente para a sala, a mesa e para os olhos inquiridores do dono do jornal. Não fomos recebidos por editores, outros jornalistas, funcionários do RH, nada disto. Encontramos e fomos entrevistados não somente pelo editor-geral, mas o sujeito que criou toda aquela estrutura e todas as demais coisas que fizeram com que seu nome fosse escrito na história da Comunicação de Goiás.
Em coisa de 15 minutos, dois estudantes recém começados no segundo ano de faculdade de Jornalismo deixaram o ônibus do Eixo Anhanguera para estar na sala de Batista Custódio, editor-geral e dono do Diário da Manhã.



“Quem é seu pai? E seu avô” – perguntou um sério senhor de bigodes brancos e de comportamento um tanto quanto curioso para o meu colega de empreita, Victor Hugo. Mais do que querer saber com quem estava falando, Custódio queria saber com a família de quem estava lidando. Pela conversa com ele, eu observava que a situação não parecia boa para mim, principalmente porque calhou do meu sócio na missão secreta de conseguir um emprego era neto de um juiz e fazendeiro bem conhecido do nosso entrevistador, da cidade de Jandaia.
Mais duas ou três perguntas amenas para ele, os olhos ágeis e misteriosos (curioso olhar) de Batista Custódio me descobriram.
“E você?”, me perguntou, economizando palavras. E eu assim o fiz, economizando as interrogações dele. “Sou filho de ninguém que o senhor conheça. Não tenho família em Goiás. Eu vim do Rio de Janeiro, mas moro em Anápolis”, expliquei já sem qualquer compromisso. A esperança findara-se quando vi que a expectativa da entrevista passava pelo campo de afinidades pessoais, ou regionais. O editor-geral do Diário da Manhã retomou o olhar a mim, deixando de lado algum tipo de leitura que fazia na mesa e, por sobre os óculos, disparou, sem rodeios: “Mas você não é daqueles comunistas de faculdade vindo do Rio de Janeiro, não, né?”.
“Não, não sou. E nem esses maconheiros de faculdade de jornalismo”, eu respondi. Mentalmente. Porque, na verdade, o que saiu foi apenas uma risada mofada, daquela bem sem intenção de sorrir, e a negativa, alegando que, não, eu não era comunista de faculdade. Em 2000, aliás, fora dos museus ideológicos dos guetos políticos, era bem difícil encontrar a tal espécie há muito em extinção: o tal comunista.
A mim, Batista não perguntou mais nada. Das muitas perguntas simpáticas que fez ao Victor Hugo, a mim, só sobrou esta. O velho jornalista, de corpo opulento e camisa meia manga, recolheu o braço direito e o colocou por baixo da mesa. Em seguida uma campainha estridente, daquelas que parecem um choque elétrico, tocou e a secretária, cuja tão curta distância de nós permitia que ela ouvisse um sussurro do chefe, veio até nós. A ordem de Batista: encaminharmo-nos para Ferreira Junior, então chefe de redação.
Nós, eu e Victor Hugo, não sabíamos. Mas estávamos contratados em nosso primeiro emprego como repórteres da Editoria de Cidades do Jornal Diário da Manhã. Para começar a trabalhar na segunda, 15 de maio de 2000.



........................................



De lá para cá, muitas impressões ficaram. Muitos dissabores também. Porém pequenos, daqueles que o desgaste que o tempo promove nas coisas faz com que fiquem minúsculos, imperceptíveis. E com um ciclo de uma década de profissão como jornalista, prefiro eu sempre repetir “repórter”, um dos ensinamentos para a vida que mais ficam em mim é este: poucas são as infelicidades da vida as quais, de grandes no momento, mostram-se tolas e quase nada quando analisadas em perspectiva. Os percalços e dificuldades incomodam como uma topada no pé da mesa. A dor, de intensa no instante, some até mesmo da memória minutos depois.
Assim temos feito, assim Eu tenho feito: vivido eventuais dissabores, mas saboreado em minha memória cada instante de prazer destes 10 anos evoluindo em pautas, reportagens, descobertas, disputas, embates, erros, acertos e, certamente, em crescimento profissional. E pessoal, por causa da Causa profissional.
Eu poderia falar nesta reminiscência dos meses que fiquei com atraso de salário no Diário da Manhã. Certamente, muitos dos que por lá passaram, antes, comigo e depois de mim, se lembram disto e me cobrariam para narrar tal fato. Principalmente os professores da UFG que odiavam tanto o jornal. Insistiriam para que eu contasse estas passagens e não fazer parecer que o DM era um mar de rosas e de doces poesias. Não era. Nunca foi. E nem era para ser.
No entanto, eu prefiro contar e recobrar de momentos que até hoje carrego comigo. Se eu recebi meu salário com atraso por dois, três meses, hoje já não preciso mais pensar nisto, já não vivo sob o jugo do salário que falta, do dinheiro que eu conto para pagar o aluguel. Isto passou e, por mérito meu, isto passou. E em última análise, me perdoem os colegas da época: mas para quem fazia segundo ano de faculdade, tinha 22 anos e não sabia coisa alguma da profissão, ganhar o piso como jornalista, estar dentro de um diário, e emplacar matérias e reportagens na capa do jornal, já era um salário e tanto.

...................................

Uma das lições, explicadas – claro – à base do esporro, que Batista Custódio me brindou aconteceu numa tarde quente de Goiânia em que ele me chamou à sua sala e reivindicou alguns pontos sobre determinada reportagem. Entre outras coisas, disse, relendo um material que eu tinha escrito, que eu escrevia muito “que”. “Seu texto tem muito “que”. Tudo tem que, que, que”, disse ele. Eu, distraído com o comentário, por inocência e desleixo, já que não tinha ouvido o que ele dissera, perguntei: “Que?” E ele, concordando com a minha distração: “É... ‘que’”.
Demorei alguns minutos, depois que deixei a sua sala, para entender a razão da reclamação dele: meu texto trazia muito repetidamente a palavra “que”. Na mesma conversa, ele cortou quase metade do texto, alegando ter muita embromação e me dizendo uma frase que desde então me acompanha:
“Uma reportagem precisa ter uma informação por linha. Uma informação por linha”.
Saí de sua sala com um ar pesado, de quem acaba de levar uma bronca do chefe, no caso, do patrão-maior. Eu ainda não sabia que era o jeito dele de partilhar conhecimento e que, ali, naquele instante, ele me ensinara a lição mais preciosa que tenho na vida: uma informação por linha.
E, hoje, uma década depois, eu sempre me faço a mesma pergunta toda vez que sento para escrever qualquer texto:
– Será que eu ainda repito mesmo muito “que”?
A vida não pede licença.


.............................................

E muito menos desculpa.
Que venham os próximos anos e décadas.

PSDB adota a estratégia do confronto em Anápolis

Tucanos apostam no enfrentamento de agendas em relação ao Governo do Estado e em toda atividade com presença de Alcides, o senador Marconi Perillo marca território em terras anapolinas. Políticos afirmam que ação gera comparação e é “tiro no pé do PSDB”



Começou com o que parecia uma fatalidade de agendas. Justamente no dia em que Alcides Rodrigues, direto de Goiânia, anunciava investimento de R$ 12 milhões para a infraestrutura de Anápolis, e na mesma data o governadoriável Iris Rezende visitava a cidade para acompanhar um evento sobre a Anistia, o pré-candidato e senador tucano Marconi Perillo visitava as emissoras de rádio da cidade. E na mala, trazia muita, mas muita munição contra seus supostos adversários.
Na ocasião, que ganhou repercussão para bem além das cercanias anapolinas, marcando a semana no Estado de Goiás, Perillo tentou desferir golpes pesados contra Iris Rezende, mas com a intenção virulenta mesmo de atingir ao governador Alcides Rodrigues. Enquanto a Caixa Econômica Federal premiava o Governo de Goiás pelo comprometimento e lisura nas contas públicas, em audiência no Palácio das Esmeraldas, Marconi Perillo tratava de ressaltar que o governo era lento, sem compromisso e cheio de falhas de todas as naturezas. Mas, até o momento, tudo parecia uma coincidência.
Na semana seguinte, as possibilidades de coincidência cessaram à medida que a história completa se repetiu. Novamente enquanto, de Goiânia, Alcides enviava à cidade de Anápolis mais uma verba, a tropa tucana reiterava ataques ao governo e a seus aliados. Na ocasião, Alcides Rodrigues assinou a emissão de R$ 1 milhão para a construção da nova Câmara Municipal, um projeto realizado em parceria com a Prefeitura da cidade. Por aqui, na imprensa líderes tucanos locais tentavam destituir os méritos da ação, alegando que o senador Marconi Perillo destinara à cidade verba de soma semelhante e que a administração local não teria tomado iniciativa de buscar.

Alerta
A gota d’água, porém, aconteceu na última semana quando da visita do governador Alcides Rodrigues à cidade para dar início às obras de duplicação da Avenida Pedro Ludovico. Imediatamente, notícias sobre Marconi Perillo ganharam espaço no noticiário diário das emissoras de rádio que se dedicam a fazer a cobertura jornalística da cidade.
O objetivo, novamente, é claro: disputar espaço do eleitor anapolino nas manchetes. A diferença é que enquanto, como senador, Marconi Perillo somente tem a projetar ataques ou mesmo realizar comentários sobre sua pré-campanha, Alcides, que não é candidato e, portanto não tem qualquer compromisso mais contundente em mostrar serviço, surge na cidade anunciando obras e benefícios.
No microblog Twitter, os políticos da cidade já alertaram para a manobra. O presidente da Câmara Municipal, Sírio Miguel Rosa (PSB), foi o primeiro a dar notícia da disputa pela mídia. “Todo dia que o Governador vem a Anápolis tem noticia do Senador”, disse. E depois emendou na explicação do caso, sobre uma visita à maternidade Doutor Adalberto: “Hoje estão divulgando a visita que o senador não fez na semana passada”.
Enquanto isto, em uma emissora de rádio, a vereadora Mirian Garcia (PSDB) concedeu entrevista sobre o caso da verba do Turismo, que seria de responsabilidade de seu colega de partido e senador. Ela ainda anunciou que o senador e pré-candidato estará na cidade na próxima semana, dia 25, para tratar principalmente do viaduto do Daia.

Comparação
Através do mesmo espaço virtual, foi a vez do deputado federal Rubens Otoni destacar a competição travada pelo tucano Marconi Perillo por dividir a atenção do anapolino com o atual governador. Para ele, o PSDB se “desequilibrou e já não sabe mais o que faz, diante da evidente perda de espaço”.
Em resposta a Sírio Miguel, ponderou o deputado do PT. “Este negócio de trazer o senador em Anápolis toda vez q o governador está aqui é um tiro no pé”, disse. Ainda segundo Otoni, a movimentação serve como meio de comparação “e aí é fatal”. “No governo do PSDB, prometeram para Anápolis, o trem-bala, a Plataforma Logística e o Centro de Convenções. Cadê?”, indagou o parlamentar, exaltando o perfil de gestão e parceria administrativa proposta por Alcides Rodrigues. “Com todas as dificuldades deixadas pelo governo anterior, o governador Alcides Rodrigues fez muito mais por Anápolis”, sentencia.
Rubens Otoni enumera as promessas feitas por Marconi Perillo em sua passagem de sete anos e três meses no Governo do Estado e compara com a ação de Alcides Rodrigues. “Num trabalho respeitoso e em parceria com a prefeitura, Alcides traz asfalto, saneamento e agora ajuda a construir a sede da Câmara. Enquanto em Anápolis, alguns falaram em trem-bala, Centro de Convenções e prometiam emenda para ajudar na construção da Câmara”
“É por isso que bate o desespero. E aí os erros aparecem mais. Vir aqui no mesmo dia do governador é um tiro no pé para o PSDB”, finaliza Rubens Otoni.

domingo, 9 de maio de 2010

O Brasil que Serra quer inventar para gerir


José Serra fez um governo positivo em São Paulo. Tem, de certa forma, uma identidade com o perfil médio do cidadão Estado. Sobretudo em relação a alguns setores que, se não são os mais volumosos, são – de fato – os mais influentes. O perfil de José Serra se encaixa com singela harmonia ao paulista. Não é difícil imaginar como seria um fracasso se, por um acaso, aquela mesma imagem fosse transferida para outro Estado. Ou alguém consegue pensar em Serra governando o Rio de Janeiro?
Serra é de poucos sorrisos e de humor sem graça. Falta leveza ao político, assim como falta à cidade de São Paulo e, ao todo, ao espartanismo do Estado. São Paulo não é um lugar para se rir, mas para produzir. É vital ao Brasil, é um Brasil dentro do Brasil, propriamente dito.
Acontece que, como nas palavras do ex-ministro e deputado federal, Ciro Gomes, José Serra é um cara chato. Não tem vícios, não gosta de beber, não torce por time algum (segundo ele, a manifestação do governador tucano pelo Palmeiras é pura questão de estética política do que paixão de fato). Serra é um paulista conservador, que até mesmo o espaço para o ócio é reservado na agenda. Esta é a definição de Ciro Gomes, um paulista de nascimento, que desde a primeira infância ganhou os contornos de sua personalidade moldados pela leveza e pela irreverência do nordeste brasileiro.
E, para qualquer nordestino, ou qualquer cidadão médio, (atenção, “médio”) do litoral carrega em si uma leveza que não se torna compatível com a sisudez de Serra. É um assunto questionável e subjetivo, mas é interessante perceber o quanto temas subjetivos, na prática, funcionam e se encaixam com naturalidade.
Agora, na pré-campanha das eleições, quando os candidatos estão em fase de aquecimento, surgem as evidências mais claras das deficiências, dos pensamentos, do perfil mais puro e sincero dos postulantes. Como numa preparação para uma maratona de atletismo, a fase de aquecimento e treino antes da disputa é aquela onde aparecem os pontos a serem melhorados, as lesões, e os pontos positivos de cada um.
E é justamente neste ponto que aparece o José Serra que Ciro Gomes apresentou. O chato. O Serra que não combina com o Brasil e com o brasileiro. O Serra que desliza em suas convicções, como a que afirma que os fumantes – que consomem tabaco e outras tantas substâncias nocivas – que mesmo adoecendo pelo vício continuam fumando “são pessoas sem Deus no coração”, é um tipo de cidadão que o Brasil ainda não aprendeu a cultivar. Serra que ser um cidadão e quer que o país seja o que ainda não é, o que não está pronto para ser e – em última análise – o que não se sabe se um dia vai querer ser. Serra quer um brasileiro de Esparta: direto, reto, perfeito numa perfeição chata de ser.
E por isto a crítica recorrente a Lula. Lula é o Brasil e o brasileiro. Enquanto os caciques do PSDB atacam os “modos” do presidente, o resto do país, em grande escalda, saúda o jeito de o presidente da República se referir às questões republicanas nacionais e a forma como se comunica com o brasileiro. Mais do que não admitir, a ‘intelligentsia’ do PSDB não consegue entender que é tudo uma questão de identidade.
Lula fala do Corinthians, seu time do coração e um dos mais populares do país. Faz comparações com futebol, conta piadas envolvendo cachaça, sua nada escondida predileção no mundo das bebidas. Lula fala “merda” no palanque. E para tudo isto, o alto comando dos tucanos tem uma resposta negativa, crítica e altamente moralista.
Mas, afinal, para quem discursam os tucanos? Certamente não é para o mesmo Brasil que Lula se dirige, quando aparece suado, com aparência desgastada, falando às multidões. O PSDB defende o Brasil engomado, o Brasil certinho, o Brasil que não existe e, novamente, sabe-se lá se alguém quer que ele exista.
Até mesmo o slogan da pré-campanha do PSDB com José Serra revela traços desta ambição, de transformar o país em um outro. “O Brasil pode mais”. Claro que pode e a prova disto é que não precisamos mudar de cara para sermos o que somos capazes de ser. Não precisamos que doutores de alto intelecto formal nos conduzam por somos, sim, uma nação a caminho do conhecimento e, mesmo assim, do empírico saber. Temos nossas formas de conhecimento, adquiridas de forma particular e é esta a nossa identidade, quer professores, estudiosos e tucanos queiram ou não. Nós somos um pouco Lula e estamos bastante distante de sermos um pouco, um pouquinho que seja, Serra.
E esta não é somente uma identidade brasileira, única. Antes que algum boçal reivindique que este artigo é uma defesa da sub-raça, do Zé Carioca que existe em nós, e ele existe. Mas a história recente dos Estados Unidos aponta para um caminho semelhante vivido nas eleições de Obama. Na mesma época da pré-campanha, o negro Barack Houssein Obama passou por uma mudança de imagem que o aproximou do americano médio. E assim como nós temos o pejorativo Zé Carioca, o americano médio tem o seu: Homer Simpson. O pai de família atabalhoado, confuso, preguiçoso, viciado em cerveja com os amigos, cheio de falhas de caráter e altamente dado à omissão é o retrato do americano e, daí, a identificação na relação de amor e ódio de Homer com as diversas alas sociais dos Estados Unidos.
No programa mais popular dos EUA, da apresentadora Oprah Winfrey, a Hebe negra da TV de lá, a hoje primeira-dama e toda chique e elegante Michele Obama fez revelações que, à primeira vista, soaram como música para os adversários republicanos. Ela disse que seu marido, quando chegava do trabalho, exalava um cheiro pouco agradável. Afirmou que quando ele tirava os sapatos, ninguém podia estar perto, dado o seu chulé. E, por fim, insinuou que Obama, à noite, era vítima de recorrentes... flatulências. E, por conseqüência, ela também era vítima do marido.
Em resumo: Obama tinha o popular cecê, tinha chulé e peidava. Sim, o presidente americano peida.
No entanto, a simples admissão disto parecia a condenação do pré-candidato democrata. O americano iria hostilizá-lo por isto. A turma de McCain soltou fogos, exultante. Mas o ‘inesperado’ para eles aconteceu. A popularidade de Obama cresceu assustadoramente e o americano criou identidade com o candidato negro, que trabalha, sua e fede, tem chulé e solta peidos à noite, antes de dormir.
Descobriram que Obama era um tipo de Homer. Descobriram que Obama pertence, sim, à humanidade, apesar de tudo.
A estratégia, muitíssimo bem calculada por parte dos marqueteiros, deu certo. A criação de um elo mediante a identificação foi firmado. No Brasil, Lula foi redefinido por Duda Mendonça que lhe pediu algo inédito,de tudo o que Lula ouvira como eterno candidato petista: seja quem você é, não mude. E o Brasil descobriu que Lula é brasileiro, meio Zé Carioca, meio Homer, meio como o nosso chefe, ou o nosso empregado. Lula não é um sujeito difícil de ser encontrado, mas sim é um cara como aquele que vemos aos montes pela rua. Lula é um pouco o nosso espelho.
Só que Serra não admite isso e não quer isto para ele, para os seus e nem para o Brasil. Serra quer inventar um Brasil particular, que ainda não existe, e aí sim, a partir deste novo país, ele quer ser o seu gestor, o seu avatar, a sua referência. Serra é o Lula de um Brasil que sequer foi inventado, sequer foi aventado pelos brasileiros. É a imagem chata de um Estado espartano, igualmente monótono e com ares de aristocracia separatista, baseado no lema: nós levamos o Brasil nas costas. E leva. São Paulo é, quem, carrega este país sob diversos aspectos. E acredita que, em nome disto, pode mandar no resto do país: nos seus modos, pensamentos e anseios. Alguém se lembra do cara que carrega o artilheiro campeão, depois da final decisiva?
José Serra, portanto, não está errado. Nem podem ser classificados erros e acertos neste processo. Mas ele é inadequado para o Brasil como nós o conhecemos hoje. Ele é parte integrante de uma elite importante e bastante marcante em seus traços e maneirismos e, por isto mesmo, é uma referência em São Paulo, a terra que mais o idolatra, que mais o entende e, por que não dizer?, que o inventou para o resto do mundo. Mas para o Brasil, aquela figura sem alegria, de sorriso frio e sem vitalidade, cujas imperfeições são apagadas como a celulite da modelo na capa de revista masculina, não serve como ponto de partida, não desperta paixões.
O Brasil de Serra é, ainda bem, uma utopia. E que Deus, aquele que não castiga “os fumantes ateus”, Oxalá, São Jorge e Xangô, Santa Bárbara e Iansã, e todas as divindades da diversidade do Brasil nos protejam para que este projeto não saia dos planos tucanos. Que fique lá, como um sonho emoldurado eternamente no conforto e no isolamento do Palácio dos Bandeirantes.