domingo, 28 de fevereiro de 2010

A mágica de Marconi, que transforma meias verdades em verdades absolutas*

*ou como o anapolino é carente de pratrono e protetores

Há alguns meses estive sentado numa roda de amigos. Quem conhece bem roda de amigos que se reúnem para conversar regados a uísque sabe bem que a conversa ficar proporcionalmente mais animada cada vez que a garrafa é consultada e esvaziada. Mas assim são as rodas de amigos. Há também quem saiba que nas rodas de amigos, mais vale o convívio com a roda do que o conceito de “amigos”. São pessoas de diferentes realidades e pontos de vista, que se reúnem e debatem, debatem justamente em nome disto: da diferença.

Amizade se faz assim. Política se faz assim. E esta é uma forma de viver.

E lá estava eu, há alguns meses, em companhia de amigos. São desocupados, bon vivants, empresários, servidores públicos, advogados e, entre outros, de dois médicos conhecidos na cidade. Carlos Victor, ex-presidente da Associação Médica de Anápolis, e o reconhecido Luiz Sergio Leyser, que, naquela nossa mesa funcionaria como uma espécie de curador. Longe de pai fundador, ele não se comporta de forma tão prosaica ou careta assim. Muito pra frente, aliás, é Luiz Sérgio Leyser. Mas, enfim, Luiz Sergio nos brindava com a bebida que verdadeiramente aprecia: um grato e honesto 12 anos. Não que despreze as outras, o douto não é lá dessas desfeitas, mas quem conhece sabe que existem prazeres e prazeres.

E então, destaco ambos os médicos porque a razão deste artigo é sobre um tema do qual os dois “devotos de São Lucas” levantaram e defenderam com parcial veemência. O assunto girou, girou, travou aqui, raspou acolá. Mas no final das contas onde fomos parar? Na política.

“Votar em Marconi é uma questão de justiça”, exaltou Sergio Leyser com efeito acompanhado do jovem colega Carlos Victor, também adepto da popularidade do tucano na cidade. Indago eu, depois de muito hesitar a entrar nos méritos do debate, afinal uísque nem sempre faz o par perfeito para o embate das idéias políticas. “Então quer dizer que o doutor é marconista”? De lá, vem a resposta, teatral, épica, de quem sabe onde vai, mas quem saberá por onde pisa: “Não, eu sou anapolino. E ser anapolino é votar em Marconi por tudo o que ele fez”.

- Ser anapolino é votar em Marconi Perillo.

A oração acima ecoou na minha mente naquele momento. E já desistindo do lazer, deitei-me a discutir para saber o que se passava à mente de Luiz Sergio Leyser e que, certamente, habita o ideário de grande parte dos anapolinos que se constrangem se alguém questiona as ações de Marconi Perillo.

Abaixo, vai um pouco do que falei com eles acerca do que eu conhecia e achava do assunto. E vai um pouco mais também. Este, portanto, pode ser o comentário final, meses depois, sobre a conversa acerca da relação de Marconi Perillo e a cidade de Anápolis. Se você, por acaso, é daqueles que faz o sinal da cruz quando ouve o nome do senador tucano, atenção e cuidado: este artigo pode abalar a sua fé.


 
Ato I - As meias verdades

O que fez Marconi em Anápolis? Indaguei eu, e indago sempre. A primeira resposta é um empate técnico. Universidade Estadual de Goiás e a montadora coreana Hyundai. São estes os dois acontecimentos da gestão de oito anos de Marconi no Estado para a cidade. Pouco ou quase nada. Mas antes de debater a quantidade, falemos de qualidade.

Quem tem algum amigo, parente que estuda na UEG conhece bem a realidade daquela instituição. É uma universidade recém criada, um bebê entre as academias, mas que já passa, agora, por um momento de recuperação. Está sucateada. Não, ela não está. Ela foi concebida por intermédio de uma estratégia de marketing, conceito bem usado e explorado com sabedoria pelo ex-governador. Coisa fina e avançada, estilo Goebbels e o Terceiro Reich.

Afinal, o governo tucano reuniu as faculdades espalhadas pelo Estado, todas já pedindo socorro em decorrência de anos se segurando como podiam. E então as unificou sob uma égide pomposa: a denominação de Universidade. A base, em Anápolis, foi a da extinta Uniana por ser estrategicamente a que tinha mais estrutura. O que ela ganhou a mais? Um título de sede.

O espaço deste blog está aberto a quem quiser explicar racionalmente, com detalhes e números, os investimentos em torno da UEG e como ela foi deixada para o governo seguinte, de Alcides. A UEG é a grande sacada de marketing na Educação de Goiás. Está em processo de recuperação porque é um projeto natimorto.

Que o ex-governador é bom de marketing, isto se sabe há tempos. Mas o anapolino ainda insiste em mitificar a imagem do tucano talvez por tanta carência de atenção. Se comparar Marconi com outros ex-governadores, como Maguito Vilela, de fato a presença de Perillo na cidade durante seu governo foi bem mais acintosa. Mas isto não faz com que ele tenha sido responsável por qualquer revolução no perfil do município para ser visto como um semideus da política. A carência torna nossas vistas e nossa acuidade crítica turvas. É assim com indivíduos, são assim com grupos. Tanto tempo de abandono faz com que qualquer afago pareça a melhor proteção e atenção já tida no mundo.

Por falar em campanha de mídia, o que dizer do segundo “milagre” tucano na cidade? A montadora coreana Hyundai foi enaltecida pelo grato Luiz Sérgio Leyser e o coro engrossou com Carlos Victor naquela noite. Estima-se que a Hyundai tenha recebido em isenções de impostos a vultosa soma de R$ 4 bilhões, entre os tributos e os demais incentivos que recebeu.

É de se crer, de fato, que a vinda de uma montadora de amplitude mundial signifique mais para um Estado e para a cidade que se instala do que propriamente vantagens de ordem imediata, como a financeira. A projeção de Goiás e de Anápolis no mundo deve ser levada em conta ao longo dos próximos anos. Mas onde está a revolução da montadora no perfil industrial e econômico goiano? Nem mesmo o perfil anapolino ela conseguiu ser preponderante.

Mas o coro na conversa engrossava diante dos empregos gerados, a movimentação no Daia era outra. Outra como? Quantos empregos diretos a Hyundai, com seu HR, geraram até 2006? O uísque dos meus amigos desceu mais afiado do que um gato ao contrário. Ninguém sabia responder.

Mais espantoso do que não saber a resposta é descobri-la. E ver, com isso, que os investimentos são muito, mas muito aquém do que se poderia esperar com um mínimo de empolgação. A Caoa-Hyundai empregava até poucos dias atrás algo em torno de 300 anapolinos.

Indiretamente pode ainda empregar o mesmo número, mas ainda assim está longe de empresas que existem na cidade e atuam, por exemplo, no segmento de reciclagem de lixo. E para tanto ocupam mais de 2 mil vagas. E quais os incentivos que receberam estas empresas do Estado? Quase nada. E por que? Porque reciclagem de lixo não dá anúncio na Revista Veja. E, logo, não dá voto porque não dá projeção. O império midiático que Perillo montou tem Anápolis como tubo de ensaio e, por omissão e carência, a cidade aceita meias histórias como verdades absolutas.



O que não se comenta, e nem mesmo grande parte dos anapolinos sabe, é que Marconi Perillo deixou seu governo também em débito com o município. Das promessas assumidas durante a sua gestão, algumas obras importantes para a cidade ficaram na poeira do caminho, deixando os seus envolvidos a ver navios e, ele mesmo, ficou com cara de paisagem quando questionado sobre elas.

Duas delas são estão ainda na franca memória de quem as presenciou. Em 2002, durante exibição da mundialmente conhecida bailarina Ana Botafogo no Teatro Municipal de Anápolis, Perillo – vendo a situação da infraestrutura do teatro – se comprometeu a “presentear a cidade” com um novo espaço cultural para apresentações teatrais. Era a época de grande afinidade com Ernani de Paula, no período pré-eleitoral que o levou à reeleição e a então primeira-dama de Anápolis, Sandra Melon, à condição de suplente do senador Demóstenes Torres. Marconi prometeu o teatro durante a apresentação.

E nos rodopios da leveza de Ana Botafogo dissipou-se a lembrança da promessa. Assim como azedou a relação com Ernani de Paula, então prefeito. E as relações pessoais afetaram as relações com o município. Bem como no episódio em que a Celg, misteriosamente, resolveu cobrar o dinheiro que a cidade a deve, há mais de 30 anos, e cortar a energia de Anápolis bem no dia do seu aniversário. Era o ano de 2003 e muitos se recordam disto. Isto, certamente, não é demonstração de amor com a cidade e sua gente.

Uma retaliação pessoal e política que atingiu a toda uma cidade com mais de 300 mil habitantes vivendo um feriado. Este é o semideus que precisamos e que a cidade vota por questão de ufanismo? Carência latente...

Outra das promessas, esta bem mais acintosa, foi feita com o fórum empresarial da cidade. E uma só pergunta fica: onde foi parar o prometido Centro de Convenções?

Com esta pergunta sem resposta podem ser respondidas uma série de outras questões sobre o comportamento do senador com relação a cidade. Marconi Perillo pouco fez a Anápolis, no entanto, conseguiu dar aos anapolinos algo que há muito eles não tinha: prestígio.

Suas visitas semanais ao município, à residência de grandes empresários de renome, sua imagem em eventos e todo o aparato governamental fizeram com que Anápolis visse no então governador a imagem paterna e acolhedora de um patrono. Só que o futuro de um povo e de uma cidade dependem bem mais de compromisso e ações do que de um sorriso. E em sorrisos, afagos e marketing, Marconi Perillo sabe ser bom como poucos.

O que nos resta saber é: e nós, até quando nos submeteremos a este meretrício sentimental?


Epílogo

Depois de rápidas pinceladas sobre a Hyundai, a UEG e demais assuntos, Luiz Sérgio, nosso curador, e o atento Carlos Victor trocam olhares, miram os fatos e refletem, refletem. Ora silenciosos, ora questionando e aprofundando acerca desta e daquela afirmação.

E em silêncio seguimos todos consultando o copo, sentindo o gelo batendo nos lábios e pensando sobre a vida, como nas rodas de amigos.

E quem sabe pensando para quantos semideuses ainda teremos de fazer o sinal da cruz até percebermos que, na verdade, Anápolis é a grande musa de todos os deuses da política...
Ato II - As promessas esquecidas

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