domingo, 28 de fevereiro de 2010

Nas asas tucanas do isolamento

Ciscar para dentro. Esta é uma das máximas que mais fazem sentido em política. Aliás, na vida. Ciscar para dentro é trazer somente para si e para o seu círculo os benefícios obtidos a partir de quaisquer movimentos. Se tiver que se mexer e fazer algum incômodo, que seja para atrair algum benefício ao seu coletivo. Se for para desconstruir, que não se faça nada. Em política uma briga só vale se o desgaste for mínimo e previamente calculado e o prêmio, além de tentador, também for algo cuja disputa é inevitável.
Desde as últimas eleições majoritárias, ciscar para dentro parece ser tudo o que o PSDB goiano deixou de fazer. No início, as rusgas com o governo recém empossado pareciam muito mais disputas menores e setorizadas, coisas de grupos que lutam por mais espaço. Quando se falava em ruptura, rapidamente os tucanos de alta plumagem e os pepistas mais ilustres corriam na direção ds flashes e das câmeras no intuito de mostrar afinidade no discurso de parceria e uma larga vontade de preservar a amizade e o mesmo objetivo político.
Acontece que com o tempo estes entraves setorizados entraram numa espécie de metástase e foram contaminando o PP como um todo, sobretudo daqueles que integram diretamente o governo, e o PSDB marconista. Este último grupo tinha uma reclamação constante: a ingratidão. Segundo eles, Alcides Rodrigues foi eleito por causa de Marconi Perillo e, agora, o senador estava sendo tratado com rispidez e de forma traiçoeira. A tese é, sim, válida. Mas se levada a ponta da faca, seria o mesmo que dizer que Perillo abandonou Nerso da Capitinga, o personagem do humorista Pedro Bismark, que foi quem fez o Tempo Novo deixar de ser um projeto político para se tornar um movimento de insurreição do eleitor de Goiás. E mais: se Marconi Perillo deu suporte a Alcides em 2006, foi porque em 1998 Alcides e mais uma quantidade significativa de prefeitos, deputados e outras personalidades do mundo político também fizeram o mesmo pelo desconhecido deputado estadual do PSDB. “Uma mão lava a outra”, diz outro ditado.
Mas a briga aumentou, assim como a confusão. E o que estava em jogo na disputa truncada que foi ganhando corpo e já não poderia mais ser escondida dos jornais? O deputado federal Carlos Alberto Leréia fez disparos de grosso calibre, de forma truculenta, bem ao seu estilo político. Braga, enérgico e pouco afeito ao estilo calado de seu comandante, também fez da mesma forma. E rapidamente a confusão estava feita. Tão feita que, agora, todos já sabem uma certeza: a frente do Tempo Novo se desfez e o diálogo entre pepistas e tucanos se tornou insustentável sob qualquer análise.
E a pergunta ainda fica: o que estava em jogo? Qual era o benefício inexorável que demandava tamanha guerra? Ao governo, a luta era um luxo que, como governo, pode-se dar conta: a preservação da soberania. Mas pelo quê digladiavam os tucanos? E resposta, agora, está clara: pela defesa do patrimônio político de Marconi Perillo. Mais precisamente pelo reconhecimento de seu nome como principal benfeitor do projeto do Tempo Novo.
O que os tucanos certamente faziam era insistir que Perillo fosse reconhecimento como o principal benfeitor do governo alcidista. E por isto, e para isto, partiram para a batalha campal. A defesa de Marconi, capitaneada por ele ou não, remete ao discurso de Nikita Khrushchov para identificar em Stalin o que seria batizado e reconhecido mundialmente de “Culto à Personalidade”. O que estava em jogo era o culto à imagem de Marconi Perillo como referência política no Estado. E a manutenção deste culto.
Marconi Perillo era a cabeça do projeto iniciado em 1998, mas não era responsável por seu andamento ou mesmo pela sua concepção. Mas hoje percebe-se que a imagem de liderança inconteste foi de tal forma incrustada dentro dos tucanos que parecia fazer sentido lutar até o sacrifício do rompimento com o governo, para defender a soberania. Não a soberania de um governo, nem de um projeto ideológico, mas a soberania de um nome, de uma imagem, de uma personalidade. Era a defesa por Marconi Perillo.



E nesta luta, cega, feita pelos tucanos algo importante parece ter passado completamente incólume e longe da percepção mais fina dos estrategistas que a arregimentaram: a desproporcionalidade das armas e dos exércitos. A máquina governista – com seus poderes naturais e sua ampla capacidade de levantar aliados e prestar manutenção, aglutinando forças – jamais pode ser comparada com um exército único, por mais preparado e bem engendrado que fossem os quadros do PSDB.
E, assim, o quadro que se tem hoje, na contagem dos mortos e feridos desta batalha, é uma fotografia bem clara que permite toda esta leitura. O PSDB encontra-se isolado em um canto do campo de batalha político, sem poder contar com aliados de peso. Grupos, partidos políticos, empresários e quadros de grande valia para o fortalecimento das frentes de guerra e embate eleitoral, e de bastidores, estão afastados ou optaram delicadamente por atuarem na frente oposta. Os partidos que antes, em 2006 por exemplo, estiveram nas lides sob o comando de Marconi Perillo, hoje se mantém unidos entre si, mas preferem ouvir o ritmo ditado pelo PP de Alcides e Jorcelino Braga.
O desenho de agora é mais claro e as próprias pesquisas apontam que aquele outro isolamento, o confortável, de Marconi Perillo na liderança das pesquisas já não existe mais. A distância diminuiu consideravelmente e há quem aposte até mesmo que não há mais distância entre as colocações. O único isolamento que Perillo experimenta agora é partidário.
Com quem dialoga o PSDB? Tem o PPS como ponto de apoio e conta com uma sinalização do PTB para se aproximar do projeto tucano de 2010. Ainda assim, nos bastidores, diversos quadros petebistas apontam para uma posição de neutralidade pessoal no caso da confirmação do seu presidente, Jovair Arantes, formar uma frente com o PSDB. Em Anápolis, uma conversa reservada com alguns petebistas resume muito facilmente esta fotografia.
Os partidos que outrora caminhavam sob a batuta tucana agora preferem tratar de sua sobrevivência política, que passa necessariamente pelo êxito eleitoral. E para tanto o caminho naturalmente mais fácil é segurar os apoios e o tratos já firmados com as estruturas de governo, no caso o estadual.
Cada vez mais claro, o desenho eleitoral mostra um ringue triangular em que num dos cantos está PT e PMDB encabeçando uma estrutura com a chancela presidencial, e isto significa ainda que o canto de Lula ainda pode fazer muita diferença antes mesmo da luta se iniciar, e no outro está o PP que mais do que ser o PP é “o PP-dono-da-caneta”, ou seja: com toda a sua capacidade aglutinação.
Grandes legendas do estado gravitam neste triângulo, mas neste momento é possível perceber que qualquer aproximação para o lado tucano é meramente uma questão de charme. Tudo para valorizar o próprio passe, na base do “se você não me der o que eu peço, eu posso ir para o lado de lá”. E então, os tucanos vão servir meramente para aumentar o valor político de mercado, mas sem realmente terem o poder de barganha ou mesmo de oferecer uma oferta tentadora para convencer quadros e legendas a apostarem numa parceria para outubro.
Por fim, resta ainda a apreensão de saber qual das estratégias haverá de prosperar e prover de sucesso. E saber se a máxima a avícola da direção para onde se cisca é preponderante para definir o sucesso ou a derrocada de um projeto. No momento, fica uma dúvida, dentre tantas que ainda haverão de surgir: tucanos são aves que ciscam?

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