domingo, 7 de março de 2010

Braços do tamanho dos sonhos

Por volta do meio dia já quase não há movimento na entrada do Restaurante Popular, no centro de Anápolis. As pessoas, por medo de que a comida acabe – que as oportunidades acabem antes delas chegarem – mudam seus horários de almoço e se alimentam cada vez mais cedo. Todos, sem se perguntar porque fazem isto, simplesmente fazem. Quinze minutos depois do meio dia praticamente já acabou tudo.
Coisas que acabam.
O sol é tipicamente um sol de meio-dia. Arde no ar, parado. Arde o ar. Eu, ar-condicionado forte no carro, vou passando e observando coisas e pessoas. Um menino com roupas cansadas e cheio de disposição no olhar caminha rapidamente pelas calçadas. Um menino preto, que ensaia correr pelo estreito chão daquela rua e traz em cada uma de suas mãos um pedaço de isopor. Ele balança os braços com força e vontade, como se imitasse o movimento de um pássaro. Um pássaro preto e animado pelo sol do meio dia. Ele quer voar. O menino pensa que é um pássaro.
Pessoas que sonham.
Vejo aquele menino querendo voar como um Icaro, sob o sol do meio dia, justamente no dia em que Barack Obama faz 48 anos. Divago e penso que Obama completará meio século de vida à frente da presidência da nação mais importante, mais temida, imitada, admirada, criticada e observada do mundo. O mundo não seria o mundo se não fossem os Estados Unidos. Quais sonhos não alimentam os 48, 50 anos de Barack Obama e qual reflexão não cabe a ele, preto e havaiano, neto de quenianos, e hoje o homem mais importante da humanidade?
A relação que há entre o menino de asas de isopor e o homem mais importante do mundo é transparente. Quem, em sã consciência, vai dizer àquele menino que ele não pode voar? Porque ele pode. Ele só precisa querer e, acima de tudo, acreditar que ele pode. Mesmo ele sendo ainda um menino, pobre, negro e suas asas serem feitas, por enquanto, a partir de dois pedaços retalhados de isopor.
Sonhos que as pessoas têm.
Em geral, temos idéias prontas sobre o tempo e as oportunidades. De acordo com cada situação, molda-se uma opinião de forma que ela encaixe com perfeição no quando-momento que se quer provar alguma tese. Costuma-se dizer, por exemplo, que a vida de hoje é diferente da forma de viver de outros tempos. Talvez uma geração acima, ou seja, coisa de 30, 40 anos antes. Por outro lado, sempre há quem diga que hoje viver é mais fácil, porque os tempos são outros, mais modernos e modificados por certas liberdades e costumes.
O fato é que para tudo se tem uma teoria, mesmo que uma confronte a outra. Há uma expressão muito usada na Psicologia que é o ato de “desconfirmar”. É uma licença poética para dizer que as pessoas se desconstroem. E as teses sobre a vida são assim: uma desconstruindo a outra.
O que torna verdadeiro em tudo isto é que não há regra alguma para descobrir como se deve viver a vida. Talvez o maior susto que todos nós um dia podemos tomar é descobrir que não existe mistério algum. Que a fé inabalável em uma doutrina de vida, ou de morte, é simplesmente a força que nós temos em apostar em alguma coisa, e não propriamente uma lei cujo não cumprimento nos levará à punição ou ao caminho errado para viver. Só pode haver errado, se existir o certo. E quem poderá dizer o que é certo com eficaz comprovação?

Aquele menino, que me prendeu a atenção enquanto o trânsito me prendia à rua, ao carro, àquele instante, me levou para lugares onde nem eu, e nem ele, poderíamos imaginar que existissem. A reflexão sobre sua vida levou a uma reflexão sobre a minha e, desta, para a vida de todo mundo. Porque a grande verdade que me salta aos olhos ao vê-lo, é que a vida não é construída a partir das oportunidades que nos surgem, mas sim das oportunidades que nós criamos. A existência não começa de fora para dentro, mas ao contrário: ela é concebida a partir de nós. O mundo nos é o que nós queremos que ele nos seja.
Veja Obama, veja o menino que quer voar. São pessoas diferentes e ao mesmo tempo em que são as mesmas pessoas. Afinal, quem ousar dizer que não, que algo é impossível para aquele garoto está fechando as portas contra si mesmo. Porque as possibilidades do mundo, diariamente, se abrem. E são as nossas crenças e teorias pessoais que nos podam de crer no infinito de impossibilidades que estão prontas para acontecer, desde que estejamos serenos dentro da certeza de que elas podem nos chegar.
Afinal, somos nós quem precisamos estar prontos para os acontecimentos já que estes, por natureza e definição, estão se desdobrando e tornando-se reais. E em sendo assim, somos nós quem fechamos as nossas portas na medida em que não nos sentimos capazes para abri-las à nossa frente. Nossos braços são do tamanho de nossos sonhos. Tudo está ao alcance das nossas mãos, basta que estiquemos com o pensamento de que vamos segurar com firmeza o que é almejado.
Pergunte-se por onde andam seus sonhos e onde você resolveu deixar a sua vontade mais sincera de voar, ainda que com asas de isopor. O tempo nos ajuda com experiência, mas nos mina a esperança e vai corroendo todas as ilusões que são fundamentais para o sucesso. Há gente pelo mundo conseguindo fazer o impossível simplesmente por não saber que, aquilo, impossível era. Portanto, usemos o tempo ao nosso favor já que é inexorável a sua ação. Sejamos reféns de nossos sonhos a partir de um único princípio: todos eles são reais e exeqüíveis, desde que acordemos acreditando em cada um deles. E, ao dormir, que sejamos embalados na única certeza indelével: amanhã, ao acordar, tudo pode acontecer.
Vejo gente se cansando da vida por muito pouco. A impressão que fica é que o valor que dão à vida é algo super dimensionado. Encaram a vida como uma tarefa tão grande e tão pesada que sentem medo de carregá-la. A vida é, sim, uma experiência, que pode ser uma aventura num clichê, mas que é, de fato, algo a ser experimentado, experienciado. Para tanto, ter coragem é imprescindível. E a coragem é não perder o vigor nas crenças e sonhos que temos quando achamos ser possível voar com isopores ou nos tornarmos astronautas, presidentes. Pense que de todos os meninos que sonham ser presidente, alguns deles realmente conseguem. Por que não você?
O que mais falta em nossos sonhos é dar a eles o combustível que eles mais precisam: a crença do possível.
Eu volto à realidade amarela do sol forte de agosto com a insistente buzina do veículo que, atrás de mim, tem pressa para seguir seu caminho. É ele quem me acorda daqueles pensamentos vendo aquele menino. Enquanto isto, percebo que o pequeno Ícaro negro corre à frente de seus pais e irmãos para chegar primeiro ao restaurante, quase vazio de gente e de alimento. Deve mesmo ser difícil alimentar sonhos quando se falta com o que se alimentar a barriga.
Coisas que acabam.
Coisas que sonhamos.

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