quarta-feira, 10 de março de 2010

Lições marconistas, n°1: o que se pode, nem sempre se deve


Uma das regras mais fundamentais da etiqueta (chamada por ser a pequena ética social, bem entendido) prega a seguinte máxima: “há coisas que você pode, mas não deve”. Entre os fatos absolutos do que é devido ou impróprio, existe um espaço vazio no qual não existem soluções matemáticas do que é certo e errado. O que manda, portanto, nestes momentos, é o bom senso. O bom senso para observar a situação em si, as implicações, os envolvidos e, por fim, os desdobramentos após a tomada de tal atitude.
E aí entra, muitas vezes, o “pode, mas não deve”.
Na última sexta-feira, 5, o senador tucano Marconi Perillo realizou uma festa pela ocorrência do seu 47º aniversário. Escolheu uma casa de shows de Aparecida de Goiânia em que a capacidade, segundo os administradores do local, é de sete mil pessoas. Mais a área externa, estima-se espaço para mais 2 mil pessoas. No dia seguinte, os jornais e os aliados tucanos alardearam que o petit comitê reuniu mais de 40 mil pessoas que, segundo jornais diários, gritaram pela volta de Marconi ao governo.
O secretário do Estado de São Paulo e ex-candidato à Presidência, Geraldo Alckmin, veio ao evento em nome de Serra e, em seu discurso, alegou que todos querem Marconi de volta ainda no primeiro turno das eleições. Um verdadeiro comício regado a cerveja, refrigerante e comida grátis. O evento aconteceu em uma tarde, entrou pela noite com shows de 12 duplas e, ainda, o grande encerramento com Zezé diCamargo e Luciano.
A partir do dia seguinte, a notícia correu o Brasil. Foram blogs, noticiários eletrônicos, jornais impressos, articulistas, colunistas de todo o país que usaram a “festa de aniversário” como exemplo para propaganda extemporânea, comício pré-eleitoral e acachapante aparelhamento da imprensa goiana em repercutir o acontecimento como uma festa cujo povo estava lá ideologicamente conectado, em um evento pró-Goiás pela volta de Marconi ao poder. Mais um pouco e nem eleição precisava. A começar pela manipulação deslavada dos números, tudo ali foi tratado como uma ocorrência de uma passagem bíblica.
No entanto, nem foi isto o que mais chamou a atenção da imprensa nacional e dos articulistas mais independentes do poderio tucano, construído com dinheiro ou medo – à escolha do alvo – durante a festa. Em determinado momento, um vídeo foi projetado para o aniversariante e para toda a platéia presente. Nele, a figura da filha mais velha do senador, cerca de 18 anos, que mora, desde setembro de 2008 na cidade de Lugano, na Suíça italiana. De lá, impossibilitada de estar aqui em Goiás para celebrar a festa com o pai, a jovem externou o sentimento de amor pelo pai e o citou como um homem generoso.
O adjetivo foi tema para uma nota do jornalista Claudio Humberto que acrescentou outro elogio. “Generoso e fazedor de milagres, com o salário que ganha no Senado”. E de fato o que sobrou desta aparição familiar foi justamente esta dúvida. Porque a solução para este dilema pode vir a resolver problemas de equação na renda familiar de muitos brasileiros. E até mesmo mudar o perfil de consumo, e a qualidade da educação das próximas gerações: como Marconi Perillo, profissão: senador da República, consegue manter sua filha na Suíça italiana?
De acordo com informações do Google, e de notícias em geral, o salário de um senador de República gira em torno dos R$ 13 mil. Eles possuem benefícios curiosos como o 14º e o 15º salários, o que pode elevar este valor. Além do salário mensal e dos três salários extras – não despreze o 13º – cada senador recebe R$ 2.750 para auxílio moradia ou residência oficial, R$ 15 mil por mês para gastos no escritório do Estado de origem e até 80 mil por mês para contratar funcionários comissionados. Tudo dentro da lei. Mas, de salário, o soldo mensal para cumprir seu mandato, é algo em torno de R$ 13 mil.
Estima-se que um colégio de bom porte na Suíça custe algo em torno de 30 mil dólares. Dos americanos. O que, em moeda corrente, sai por R$ 60 mil. São R$ 10 mil mensais para pagar, somente de escola. Não é possível estimar com a moradia e alimentação. Ou pode-se fazer ainda melhor: a escola pode fornecer ambos. Ainda assim, a estimativa de quem já lançou mais deste artifício de custear a educação de um pimpolho na Europa sempre remete a um custo não inferior a R$ 20 mil mensais.
Marconi Perillo foi governador de Goiás por oito anos, é senador e, antes de tudo isto, foi assessor de Henrique Santillo, deputado estadual em 1990 e, quatro anos depois, alçado à Câmara Federal em 1994. Esta é a vida profissional de Perillo, um homem dedicado, desde a sua tenra juventude, à política e seus mais diversos movimentos. Foi do PMDB, passou pelo Partido Popular, e chegou ao ninho tucano em 1995. A profissão de Marconi Perillo é ser político, é o que aponta o seu site (www.marconiperillo.net).
Ainda dentro de sua página eletrônica, sua biografia aponta que “cursou o ensino fundamental em Palmeiras de Goiás e o segundo grau em Goiânia. Desenvolveu atividades acadêmicas nas áreas de Ciências Sociais, Engenharia Industrial, Engenharia Civil e atualmente cursa Direito na Faculdade Alves Farias em Goiânia – Goiás”. Há um curioso eufemismo no termo usado em sua descrição. “Desenvolveu atividades acadêmicas...” este é, no linguajar comum o mesmo que dizer que iniciou os cursos de...  e não terminou. Hoje, Perillo faz uma espécie de curso não-presencial de Direito na Alfa. Está realizando a sua monografia.
Todo este levante acadêmico e profissional serve para mostrar que Marconi Perillo não tem outra profissão. É de conhecimento geral qualquer outra atividade, intelectual, profissional ou empresarial do senador, além da política. Marconi é um político profissional e sobre isto não recai sobre ele qualquer constrangimento ou dúvida. É um caminho a se escolher como qualquer outro e políticos que se dedicam à política devem, sim, orgulhar-se da profissão escolhida. No entanto, seu sucesso depende de que a população também se orgulhe dele.
O fato é que, como político, Marconi ganha o que todos os senadores ganham. E sem atividades extras divulgadas pela imprensa ou em seus próprio site, fonte de informações, a dúvida que permanece é: como Marconi paga pela manutenção da filha na Suíça?
Haveria uma bolsa de estudos, podem correr os aliados a explicar. Se o fizerem, haverão de mostrar a todos o documento que permite tal benefício à jovem que está sendo educada em, no mínimo, três idiomas. E certamente todos em Goiás sabem o quanto é fácil e acessível a todos ter uma bolsa de estudos para jovens de talento na Europa. Afinal, quem de vocês, leitores, não tem alguém na família, na própria rua, ou no prédio onde mora que não estuda na Suíça, na Suécia, na Holanda, com tudo pago por alguma ONG ou pelo governo local?
É o primeiro encaixe da etiqueta política: se ele pode, não deve.
Acontece, mais ainda, que o hoje senador e pré-candidato às eleições de outubro, foi governador do Estado de Goiás por oito anos, de 1998 a 2006. Uma das grandes marcas de sua gestão, alardeada fortemente pelos seus aliados, é a criação de uma universidade legitimamente goiana. A Universidade Estadual de Goiás é defendida pelos marconistas como a menina dos olhos do senador. Um marco na educação.
Mas para que serve a UEG? Para jovens carentes, menos dotados, sem grandes chances e opções, ou oportunidades para ingressarem nos estudos de pompa européia? Perillo desdenha de suas próprias criações e demonstra o quanto, para ele pelo menos, a Educação no Estado é carente, desprovida de atenção e, sobretudo, qualidade. Até mesmo os melhores cursos e estudos, curriculares ou não, à disposição no Brasil estão aquém das expectativas do senador tucano.
Sabendo desta notícia, o eleitor que estuda na UEG, ou que tem os filhos por lá matriculados, e que volta e meia sofrem com a falta de estrutura mais básica, deverá refletir sobre os avanços no ensino provocados pelo Tempo Novo de Marconi Perillo. O senador avançou tanto que foi parar com seus pensamentos e anseios na charmosa Lugano, o recanto da Suíça italiana.
Como cidadão, se Marconi pode elevar à família tal condição nobre e invejada por todos, tudo bem. Mas como político defensor da competitividade do Estado, e na posição de suposto artífice deste avanço rumo à qualidade na Educação e no reconhecimento de Goiás como um Estado de ponta e não uma sub-região em relação ao resto do país, a etiqueta ensina ao senador: poder, até pode... mas não deve.

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